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Cine Virtual: O Melhor Amigo

Conto de Sandra Rodrigues
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Sinopse: O ano é 2020, o mundo todo está em guerra contra um inimigo invisível. Um vírus mortal muda a vida e a rotina de todo o planeta. Porém, em meio a tudo isso, uma improvável relação de amizade verdadeira e duradoura irá surgir. Em uma jornada pelo tempo, permeada pela solidariedade, confiança e amor, um velho senhor, ranzinza e solitário, vê sua vida totalmente transformada quando um menino franzino e solidário, resolve ajudá-lo fazendo suas compras durante a grande pandemia...



O Melhor Amigo
de Sandra Rodrigues

   O ano foi 2020, uma grande pandemia sacudiu todo planeta. O mundo nunca mais foi o mesmo. Nem eu!

   Morava no fim da rua, em uma casa de muros altos, em uma cidadezinha pacata, sem qualquer atrativo ou importância para o resto do mundo. Entretanto o vírus não poupou nenhum canto da terra, e por mais insignificante ou escondido que fosse o lugar, ele deixou seu rastro de medo e de morte.

    Mas, note, o foco de minha narrativa não é o medo ou morte, mas sim a amizade e a transformação...

  A campainha tocava insistentemente, praguejando o velho senhor atendeu. O inconveniente visitante esqueceu de retirar o dedo no seu interfone.

— Já vou, já vou, mas que diabos! Que falta de educação! — resmungou o velho.

Uma voz juvenil começou a falar do outro lado:

— Boa tarde, senhor eu...

— Não quero comprar nada! Pode ir dando o fora da minha calçada! — respondeu rispidamente o velho.

— Oh, não! Eu só ...

— Já disse que não quero nada! Agora dê o fora daqui! — e bateu o interfone.

O homem ficou parado, esperando. Nada. Desta vez foi mais fácil do que imaginava. Geralmente aqueles vendedores sangues sugas conseguiam ser bem mais insistentes.

O barulho estridente do interfone, interrompeu a precoce felicidade do velho senhor. “Só pode ser brincadeira!”, pensou carrancudo. Antes que ele pudesse abrir a boca a voz do outro lado, demonstrando uma certa impaciência, logo se adiantou:

— Espere senhor, não quero vender nada! Deixei um bilhete embaixo do seu portão, por favor leia!

— Ora, quem você pensa...— um estampido no interfone do outro lado e ele emudeceu.

Passados alguns minutos a curiosidade do homem foi maior que o aborrecimento de ser incomodado. A voz infantil e persuasiva o convenceu. Com dificuldade ele caminhou rumo ao portão.

O bilhete mal escrito era uma oferta de prestação de serviço. Nele o estranho se dispunha a fazer serviços de rua, como compras ou qualquer outra coisa que necessitasse. O bilhete o pegou totalmente de surpresa. Ter alguém para fazer suas compras, era algo bem conveniente para os dias difíceis que se apresentavam em meio àquela pandemia. Ele estava mesmo com a saúde frágil, “Por que não?” pensou.

No dia seguinte, no mesmo horário o interfone tocou novamente.

 — Vou passar o envelope com a lista de compras e o dinheiro por debaixo do portão. — falou rispidamente o velho pelo interfone, sem esperar por uma resposta.

Uma hora depois o interfone tocou novamente.

— Suas compras, senhor, vou deixá-las bem aqui.

Quando o homem foi pegar as compras, não havia mais ninguém lá.

O tempo passava, as coisas pioravam, o mundo estarrecido assistia o triste cenário de medo e de incertezas que o vírus mortal deixava nas pessoas que se contaminavam ou viam suas vidas transformadas por ele.

Enquanto isso, todas as semanas, o velho senhor continuava a colocar a lista de compras debaixo do portão, e como sempre, uma hora depois a mesma voz juvenil anunciava:

— Suas compras, senhor! — e as compras eram deixadas do lado de fora.

Assim os dias foram passando... notícias de mais contaminações, de mais mortes ... as pessoas sentiam falta dos abraços, dos encontros, de como a vida era antes da pandemia...

 Mas aos poucos elas também foram se adaptando ao que chamavam de novo normal. Ou seja, nada de abraços, nada de aglomerações, distanciamento social, quarentena...

E como sempre, todas as semanas...

 O interfone tocava na casa do velho senhor. E a mesma voz anuncia:

— Suas compras Senhor. Vou deixá-las...

— Espere! Você pode esperar só um pouco? —  pediu o velho senhor.

“Mas por que ele não responde?” pensou impaciente o homem.

— Claro que posso! — respondeu a voz juvenil, depois de algum tempo.

O velho foi até ao portão, quando abriu o que viu deixou-o desconcertado. Um garotinho franzino o encarava com grandes olhos negros.

— Mas você já tem idade para fazer compras sozinho? — o velho senhor estava realmente surpreso.

— Sou mais velho do que pareço, senhor. Já tenho quase doze! — falou o menino, parecendo nervoso.

— Nossa, é mesmo? Pois realmente não parece! — respondeu o velho, secamente. mas isso não importa, você sempre fez as compras corretamente.

O menino com sua máscara de super herói, apertou os olhinhos tentando ver melhor o interior da casa.

— Você não sabe que não é educado espiar a casa dos outros? — e fez cara de poucos amigos.

— Me desculpe senhor! Eu não tive a intenção ... suas compras estão aqui, tchau... — e saiu correndo.

As semanas passavam lentamente, o mundo continuava a ser sacudido pelas mudanças impostas pela pandemia. O velho senhor acompanhava tudo pela televisão. Crises profundas nos sistemas financeiros dos mais diversos países, crises também nos sistemas de saúde e na política, milhares de vidas perdidas. Pessoas perdiam seus empregos e suas rendas. A grande maioria se sentia só e impotente diante de tanto sofrimento, inclusive o velho senhor, que não se arriscava saindo às ruas.

Durante quatro meses a rotina continuou, entretanto, aos poucos, o velho foi abrindo um pouco mais a guarda, ele também estava sentindo os efeitos nocivos da extrema solidão. “O Confinamento deve estar me deixando sensível e de miolo mole” pensou contrafeito.

O dia das compras passou a ser uma data especial para ele e antes que o garoto chegasse para buscar a lista, o velho senhor já o aguardava no portão ansiosamente. Ele era o único ser em carne e osso que aparecia no fim daquela ruazinha.

— Bom dia senhor! — falou o garotinho animado, com sua máscara de super herói.

— Bom dia, aqui está a lista e o dinheiro! — ainda carrancudo, o velho tentava disfarçar a alegria de ver o garoto novamente.

Uma hora depois voltava para o portão e aguardava o retorno do menino.

Um dia o garoto chegou correndo, e esbaforido exclamou:

— Acho que errou na lista senhor!

— Não errei! — respondeu o homem carrancudo.

— Sei que não é da minha conta, faço suas compras há um bom tempo e nunca me pediu para comprar doces! Achei que tivesse aquela doença que não pode comer açúcar!

— A doença se chama diabetes, e só para sua informação, mocinho, eu não tenho diabetes. Eu não gosto de doces! — ele então fez uma pausa e logo acrescentou — além do mais eles não são para mim, são para você!

O velho senhor abriu a sacola e retirou o embrulho com os docinhos e entregou para o garoto.

— Obrigado, senhor, muito obrigado mesmo. Eu amo doces! Até a próxima semana. — O menino virou as costas e foi logo desembrulhando o pacote.

Quando o homem estava começando a fechar o portão, o garoto, gritou:

— Fico muito feliz pelo senhor não ter essa doença de comer doces! Mas é uma pena que não goste, eles são uma delícia!

No fim do nono mês de quarentena a pandemia começou a ser controlada, o isolamento começou a ser flexibilizado, as pessoas agora podiam sair, tomar sol, caminhar pela cidade, ainda mantendo as normas de segurança. Entretanto o ritual das compras do velho senhor ainda continuava. O menino aparecia sempre no mesmo dia e no mesmo horário para pegar a lista e o dinheiro. Parado no portão o menino parecia mais agitado que o normal.

— Bom dia senhor! O dia está mesmo muito bonito!

— Por que está tão animado garoto?

— Estou feliz, pois acho que logo as aulas presenciais vão retornar.

— Nossa, isso é bom! — exclamou o velho.

— Sim, depois de tanto tempo. — e o menino fez cara de preocupação — mas tenho medo de não me sair muito bem, tentei estudar durante esse tempo, lá em casa não tem computador e muito menos internet, acho que perdi muita coisa...

— Entendo! — o homem respondeu reflexivo.

— Até a próxima semana senhor! — e o moleque se foi.

O velho senhor ficou ali parado, pensando, talvez pudesse ajudar de alguma maneira.

Quando o menino chegou na semana seguinte, observou que havia um carro parado na porta da casa. Era uma companhia que instalava rede de internet. O velho senhor aguardava o menino no portão com sua lista de compras.

— Quando voltar das compras quero te mostrar uma coisa. Bom, isso se puder ficar um pouco? — o homem falou com ar sério.

— Claro, posso sim, tinha combinado de soltar pipas com meus irmãos, mas acho que posso ficar um pouco. — o menino deu uma espiada dentro da casa.

Naquele dia o garoto voltou bem rápido, a ansiedade em descobrir o que o velho senhor queria mostrar a ele era muito grande. Quando retornou o carro da companhia de internet já havia ido embora, mas o velho senhor o aguardava no portão.

— Então, se quiser pode usar meu computador, para estudar! — disse o homem carrancudo.

— Sério? O senhor me deixaria entrar em sua casa? — o menino parecia incrédulo.

— Bem, acho que terá que entrar, pois não posso colocar o computador aqui fora!

— Mas isso será incrível, poderei até usar a internet?

— Não foi você mesmo que disse que precisava de internet para estudar? — resmungou o velho senhor já começando a se arrepender daquilo tudo.

Naquele dia o menino entrou pela primeira vez na casa do velho senhor. Ele lambuçou álcool gel nas mãos e manteve a distância do homem. Ficou de máscara o tempo todo. Era apenas um moleque, mas seguia à risca todas as recomendações de segurança. O velho senhor ficava intrigado em perceber a maturidade de seu pequeno visitante.

 Com os olhos curiosos o menino vasculhou cada canto da moradia do homem. Logo que entrou na sala sentiu um cheiro bom. A casa estava perfeitamente arrumada, tudo parecia estar em seu devido lugar.

  Nossa, como é bonita sua casa! — exclamou.

— Obrigado. Ela é mesmo muito aconchegante. — respondeu o velho senhor, meio encabulado.

— O que é aconchegante? — perguntou o garoto.

— Bem, aconchegante é um lugar que gostamos de ficar, nos sentimos bem, confortáveis. — explicou o velho senhor.

— Entendo! Minha casa não é aconchegante, não gosto muito de ficar lá! Tem muita gente, e ainda tenho que dividir minha cama no chão com meus três irmãos.

— Nossa, posso entender! Não deve ser mesmo agradável, dividir a cama com tantas pessoas!

— Ah, não é isso! Não me importo em dividir minha cama com eles! O ruim é o chão duro, nosso colchão é bem fino. Mas minha mãe se esforçou muito para comprá-lo, então isso é o que importa no final.

O velho senhor deixou que o menino explorasse mais um pouco o ambiente e depois de algum tempo falou de suas ideias.

— Tenho também livros, se quiser pode levar alguns para ler.

— Que incrível! Meus amigos não vão acreditar! Vou agora poder provar que eles estavam muito errados! — exclamou triunfante.

— Errados? Do que você está falando garoto? — o velho senhor o olhava com desconfiança.

    O menino deu uma desculpa e mudou de assunto.

   Quando o menino se foi o velho senhor ficou pensativo. Ele não dividia a cama com ninguém há muitos anos, e seu colchão era top de linha.

E assim todos os dias o menino e o velho senhor se encontravam na grande sala confortável, agora apinhada de livros. Durante horas eles liam, pesquisavam e discutiam. Mas o homem que até então, nada entendia de internet e de redes sociais, aprendeu novas coisas com o garoto. Agora ele também estava na era digital.

 Aos poucos o velho senhor foi se rendendo aos encantos da inocência infantil. O garoto era divertido, curioso e muito inteligente. Uma genuína felicidade começou a transformá-lo e até sua feição carrancuda e amarrada foi desaparecendo.

O menino por sua vez, demonstrava grande apreço pelo velho senhor. Ele descobriu que o homem tinha um dom natural para ensinar. Os dois passavam cada dia mais tempo juntos e além dos estudos, os dois agora podiam caminhar nos fins de tarde pelo bairro sem medo da contaminação e nos finais de semana assistiam filmes de aventura. Eles se tornaram bons amigos.

  Depois de alguns meses, quando a pandemia acabou, o velho senhor, curioso, perguntou ao menino:

— Por que você resolveu fazer as minhas compras, na época da pandemia?

Entretido com a pesquisa que realizava na internet o garoto respondeu de maneira natural.

— Foi apenas uma aposta, e eu ganhei.

O velho senhor achou que não havia entendido direito.

— Como assim? Uma aposta?

Então o garoto parou de olhar para o computador e disse ao homem

— É que meus amigos e todos do bairro tinham medo do senhor! Desde que começou a pandemia, queríamos ajudar de alguma forma as pessoas mais velhas do nosso bairro, então resolvemos ajudar fazendo suas compras. Mas... — ela fez uma longa pausa.

O velho senhor continuou a encará-lo esperando que continuasse.

— Bem, a verdade é que nenhum deles, queria fazer suas compras!

— Por quê? — quis saber o homem desconcertado.

A menino olhou bem no fundo dos olhos dele e disse sem mais rodeios.

— Está bem, vou falar! Todos achavam que o senhor era malvado! Malvado como um bruxo de verdade! Daqueles que transformam pessoas em animais nojentos como ratos, baratas, morcegos...eles falavam que se alguém entrasse em sua casa nunca mais sairia, não como um ser humano... bobagens desse tipo!

O velho se segurou para não rir e continuou a questionar o menino.

 — Mas, por que pensavam isso de mim?

— Ora, antes da pandemia o senhor só era visto andando sozinho, sempre mal humorado, com a cara sempre emburrada, vivia xingando, além de espantar todos que se aproximavam de sua casa. Nunca queria ver ninguém, não tinha nenhum amigo...

O homem ficou pensativo, ele tinha que concordar com o menino, ele havia se isolado desde que...

O menino continuou:

— Ninguém queria fazer suas compras, então eu vim. E eles apostaram que o senhor nunca ia me deixar fazê-las, mas isso não aconteceu. O senhor até instalou internet para me ajudar a estudar! — o menino sorriu e continuou — enfim, eu ganhei! Sempre soube que eles estavam errados.

— É mesmo? E como você tinha tanta certeza de que eu era um homem do bem e não um bruxo malvado? — quis saber o velho senhor, curioso.

— Bom, acho que sou bom com pessoas. O senhor não se lembra, mas um dia nos encontramos rapidamente na padaria. O senhor deixou cair uma moeda, eu abaixei e a apanhei. Quando fui entregá-la o senhor disse que eu poderia ficar com ela.

O velho senhor não se lembrava de nada daquilo, mas achou que dar uma moeda a alguém era algo pouco convincente para saber se uma pessoa é boa ou não. Então continuou a questionar o menino:

— Mas só porque deixei você ficar com uma moeda julgou-me um bom homem? Isso foi o suficiente para você?

O que o menino disse a seguir pegou o homem totalmente desprevenido. Foi algo tão profundo e genuíno que o marcou para sempre.

— Claro que não! Quando o senhor tentou se abaixar eu já estava com a moeda nas mãos e então por alguns segundos nossos olhares se encontraram e eu vi o senhor. Nem melhor, nem pior que ninguém, apenas um homem que se sentia sozinho e amargurado. Por trás de sua cara fechada, eu sempre soube que existia um bom homem. — o menino pensou um pouco, sorriu novamente e acrescentou — meus amigos são bem fantasiosos, quando querem!

Naquela noite o homem não conseguiu conciliar o sono. Ainda pensava nas palavras daquele garoto. Elas ressoavam em sua cabeça e o transportavam para o passado. Como permitiu que a amargura e a tristeza o transformassem em um homem capaz de provocar medo em outras pessoas? Descobrir que era temido pelos seus vizinhos e pelas crianças o deixou profundamente triste e decepcionado consigo mesmo.

Quando o dia começou a clarear ele já sabia exatamente o que fazer para tentar reverter a péssima impressão que causara nas pessoas. A primeira era dividir com alguém um pouco de suas dores e desilusões para então seguir adiante.

Quando o menino chegou em sua casa, naquela tarde, não estudaram. Ele preparou um chocolate quente e abriu um pacote de biscoitos recheados. Enquanto os dois se deliciavam com o lanche o velho senhor mostrou uma foto para o menino e disse orgulhoso:

— Minha família! — já fazia muitos anos que ele não olhava para aquela foto.

Na foto o velho senhor, bem mais novo, sorria com uma pequena garotinha no colo e do lado dele uma mulher e um garoto, mais ou menos da mesma idade do menino, apareciam abraçados.

— É uma bonita família senhor. Onde eles estão? — perguntou o menino.

Então ele abriu seu coração e falou sobre suas perdas para o garotinho que devorava ferozmente todo o pacote de biscoitos recheados. Ele contou que toda a sua família tinha morrido em um acidente de carro ocorrido há anos atrás. Quem dirigia era ele e nunca entendeu porque foi o único a sobreviver, justamente ele que causara tudo aquilo. A dor, a angústia e principalmente a falta de aceitação da morte de sua família criaram uma grande barreira na convivência dele com o resto do mundo. Ele conseguiu se aposentar na faculdade onde era professor, se mudou para uma cidade onde ninguém o conhecia e assim pode viver seu luto em paz. Ele admitiu, enfim, que havia se tornado rabugento e resmungão, mas essa foi a forma que encontrou para afastar todos de sua vida. Não podia se permitir ser feliz novamente.

O menino era um bom ouvinte, ouviu cada palavra com atenção. Depois que o velho senhor acabou de narrar suas desventuras, ele com a maturidade de sempre concluiu:

— Foi bom o senhor me contar! Eu achava que com essa sua cara carrancuda nunca havia arrumado uma namorada! — fez uma pausa e bebeu mais um gole do chocolate, que agora já estava morno, então continuou — O senhor teve uma bela família. Minha mãe sempre diz que Deus tem planos diferentes para cada um de nós. O senhor não poderia mesmo ter morrido naquele acidente ou se não nunca teríamos nos conhecido e eu não poderia fazer suas compras e nem poderia usar seu computador e sua internet!

O velho senhor simplesmente balançou a cabeça, concordando com o menino e sua simples lógica infantil.

Depois desse dia, as coisas continuaram a mudar na vida dos dois amigos...

A pandemia que arrasou o mundo e levou muitas almas, enfim acabou. Foram quase dois anos de grande sofrimento, para muitos povos, especialmente para os países mais pobres e vulneráveis. Até que, finalmente, uma vacina conseguiu controlar o vírus. A crise financeira no Brasil perdurou por mais de sete anos, e claro, com ela os mais humildes quase sucumbiram. O grande abismo entre as classes sociais ficou ainda mais evidente, especialmente porque a política da época estava muito mais preocupada com questões ideológicas, do que questões ligadas ao bem estar do povo. Foram realmente anos difíceis e de adaptações para todos.

Entretanto, o mundo nunca mais foi o mesmo. E de certa forma, diante de tantos desafios e incertezas, a mudança foi muito mais positiva do que podia se esperar.

 Foi um despertar coletivo, de repente as pessoas começaram a compreender a fragilidade da vida. O tempo, o trabalho, as relações pessoais e familiares foram repensadas e passadas a limpo. Muitos refletiram e entenderam o valor da liberdade e principalmente o valor do outro. As famílias ficaram mais unidas e muito mais presentes nas vidas uns dos outros. Valorizou-se como nunca profissões vitais em nossa sociedade, como os profissionais da saúde, da educação e aqueles que trabalharam incansavelmente durante a pandemia. Novos heróis foram proclamados e uma nova visão do que é realmente essencial para nossa sobrevivência surgiu.

O mundo ficou mais conectado, percebeu-se o quanto os seres humanos podem ser criativos e capazes de se reinventar frente ao caos. Questões inéditas surgiram e na busca de repostas e de soluções, o homem evoluiu. A Solidariedade e união, foram palavras que se transformaram em ações efetivas em prol da continuidade da vida e da salvação dos que mais precisavam.

E eu, como milhões de pessoas, também aprendi e continuo aprendendo. Aprendi, por exemplo, que a vida acontece agora e que mesmo isolado, nunca estive sozinho. Hoje penso que a pandemia, mesmo tendo sido uma coisa terrível a ser enfrentada, foi necessária para que as pessoas acordassem e se tornassem mais humanas e solidárias, bem como a necessidade de minha sobrevivência àquele acidente foi providencial.

      Continuo morando no final da rua de uma cidadezinha pacata, sem nenhuma grande importância para o resto do mundo. Porém, hoje, prefiro afirmar que minha casa é feita de pontes e não mais de altos muros. Deixei o velho senhor, amargurado e infeliz no passado.

          Aprendi a ser o homem que hoje sou, com o menino franzino que fez minhas compras durante a pandemia. Descobri que naquela época nem era tão velho assim, e hoje, depois de dez longos anos, aos meus setenta e sete anos continuo atuando ativamente em minha comunidade como professor. Abri minha casa e a transformei em uma biblioteca comunitária. Hoje oferecemos aulas gratuitas de reforço escolar e aulas de informática.

       Quanto ao menino franzino, hoje já um homem, continua a frequentar minha casa. Em seu tempo livre é ele quem arrumar a biblioteca e dá as aulas de informática. Atualmente ele também tem uma casa bem confortável e não dorme mais no chão duro com seus irmãos, fruto de seu trabalho e dedicação, bem como de toda a sua família.

        Seus pais se orgulham muito dele e eu agradeço todos os dias por tê-lo como meu melhor amigo. Sua amizade foi uma benção em minha vida. A grande diferença de idade entre nós não foi um impedimento para que nossa amizade florescesse e se tornasse sólida. Ele não só me salvou de ser contaminado por um vírus mortal, como também me salvou de mim mesmo, de minha autopiedade, de meu egoísmo e de minha cegueira interior.

    E é por isso, que dediquei a ele todo o amor e carinho que não pude dedicar aos meus filhos, durante todos esses anos. Ele como sempre, me retribui com sua companhia e sabedoria.

Em um tempo em que os abraços eram proibidos, fui agraciado com o afeto sincero de um menino que fez minhas compras durante a grande pandemia.

 

Conto escrito por
Sandra Rodrigues

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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