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Cine Virtual: Dissabores

Conto de Cupertino Freitas
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Sinopse: Ilka é uma boa inquilina, apesar de estranha – vive trancada em seu quarto, online, em chats com pessoas do exterior ou na deep web. Quando a narradora comenta sobre a possibilidade de Pablo, seu namorado certinho, se mudar para o apartamento, Ilka se mostra subitamente interessada nele, o que não incomoda a narradora, pois ela confia em Pablo cegamente. Um dia, porém, a narradora esquece o celular no banheiro e, ao voltar para buscá-lo, flagra Pablo e Ilka transando em sua cama e filmando a cena. Ela expulsa os dois de casa e depois recebe no seu celular vídeos pornográficos de seu namorado transando com várias mulheres de traseiros enormes na sua cama, depois que ela saía para trabalhar.



Dissabores
de Cupertino Freitas

 

Procura-se moça para dividir aluguel e despesas de apartamento. A candidata deve ser responsável e organizada. Há um quarto disponível, todo mobiliado. É só chegar e morar.

 

Minha mãe era sensitiva. Dias antes de morrer, alertou-me sobre energias negativas, disse que eu precisava me inteirar mais sobre a alma das pessoas que me cercavam para evitar dissabores. Citou explicitamente a moça com quem eu dividia apartamento, perto de quem sentia-se bastante desconfortável. Dei de ombros, achei que era paranoia dela. Há dois anos eu dividia o apartamento com Ilka, que pagava sua parte do aluguel e das despesas mensais rigorosamente em dia, nunca atrasava, atendendo perfeitamente às exigências estabelecidas no anúncio que postei em um site de aluguel de quartos. Nunca vi pessoa mais responsável e organizada.

Quando voltava de seu trabalho num call center, Ilka trancava-se em seu quarto e passava horas e horas online, em sites de teoria da conspiração, no underground da internet (a tal da deep web), em redes sociais ou jogando com pessoas que jamais iria encontrar nessa vida, que moravam na Coreia do Sul, Índia ou Nova Zelândia. Parecia que estava apenas fisicamente no Brasil, mas sua cabeça, seus interesses, suas relações eram sempre com estrangeiros. Era como se preferisse amigos virtuais e desdenhasse daqueles com quem poderia ter uma relação real. Não tinha parentes na cidade, e nunca falava sobre eles. Enfim, era meio estranha, tinha uma existência fora da curva, mas não me causava aborrecimentos — ou dissabores, como dizia minha mãe. Assim eu achava, só que eu que nunca fui muito boa em ler as pessoas, em interpretar suas intenções. Não sabia identificar se eram do bem. Para mim, quem cumpria suas obrigações era do bem. Como Ilka.

Quem também era do bem era Pablo. Estávamos firmes no namoro e eu vislumbrava a possibilidade de morarmos juntos. Isso implicaria a saída de Ilka do apartamento, pois Pablo acreditava que uma terceira pessoa no espaço tiraria nossa liberdade. Mencionei o assunto de maneira tangencial com ela, queria sentir se encararia com tranquilidade mudar-se, caso Pablo resolvesse vir morar comigo, um dia. Ilka disse que jamais ficaria num lugar como uma terceira pessoa, uma intrusa numa relação.

Estranhamente, desde então, ela passou a falar muito em Pablo, a elogiá-lo sem motivo aparente. Achei seu súbito interesse meio suspeito, afinal ele era alguém que ela mal conhecia e com quem praticamente não interagia. Concluí que havia se apaixonado por meu namorado, mas não dei muita importância, pois não tinha o menor receio de sua competição.

 Pablo tratava Ilka com indiferença. Nunca havia comentado comigo nada sobre ela, mal dava notícia de sua compleição, de sua forma de andar, de sua bunda grande — e ele era tarado por mulheres rabudas. Era como se ela inexistisse. Ela podia ser minha rival e agir de forma sub-reptícia, tentando dar em cima dele, mas jamais seria correspondida pelo meu namorado, um professor do ensino médio, inteligente, descolado. Ele não tinha nada em comum com aquela moça de interesses esquisitos ou bobos, e que nem bonita era. Não havia a menor possibilidade de Pablo de interessar por Ilka. Eu confiava nele cegamente. Em alguns meses de namoro, havia se transformado em meu porto seguro, alguém que ficou ao meu lado, dando carinho e atenção, depois da morte de minha mãe. Fazíamos planos para o futuro, tínhamos projetos, parecia que nosso destino estava selado: uma vida maravilhosa, com viagens ao exterior, filhos, um seleto grupo de amigos e envolvimento em causas nobres.

Quando nos conhecemos, através de amigos comuns, soube de seus outros relacionamentos: todos acabaram de repente, quando tudo parecia bem. Não levei em conta o fato de ele já ter sido casado duas vezes, dois casamentos que duraram menos de um ano. Os sinais estavam todos ali, diante de mim, mas eu preferi não enxergar. Minha mãe, no hospital, parabenizou-me pelo novo namorado, pena que ele estivesse viajando a trabalho. Ela gostaria de tê-lo encontrado para conhecer sua aura e abençoar nossa relação. 

No dia em que descobri a verdade, amanheci com uma sensação estranha, um peso no peito, uma vontade de chorar. Saí para trabalhar mais cedo, deixei Pablo no quarto, dormindo, e no outro, Ilka, em seu universo paralelo, teclando efusivamente com alguém do outro lado do planeta, às seis e meia da manhã.

No caminho para a estação do metrô, percebi que havia esquecido o celular no banheiro e resolvi voltar para pegá-lo. Entrei no apartamento, passei direto para o meu quarto e vi Pablo, na minha cama, com a cabeça entre as pernas de Ilka, suas mãos a lhe acariciar os seios, gemendo por dar prazer, enquanto ela arquejava. Depois eu o vi ir pra cima dela e penetrá-la devagar, numa cadência que parecia ensaiada. Ela filmava tudo com um celular. Fiquei assistindo à cena, oculta, até que suas respirações ficaram bem ofegantes. Então anunciei minha presença, dando uma pancada forte na porta. Pablo levantou-se assustado, Ilka cobriu-se por inteiro. Fui para a sala e esperei os dois saírem. Pablo passou primeiro, estendi minha mão direita e ele me entregou as chaves do apartamento. Ilka saiu para trabalhar meia hora depois. Naquela manhã, mandei trocar a fechadura do apartamento e deixei as coisas dela na portaria.  

            Alguns dias se passaram desde o flagra e eu ainda não conseguia dormir direito. Ao deitar-se na cama onde fui traída, a cena de Pablo e Ilka transando retornava à minha mente, era como se eu a assistisse de novo. Uma noite, recebi no meu celular dezenas de links para sites de pornografia e prints de vídeos em que Pablo fazia sexo com mulheres de traseiros enormes na minha cama. Levantei-me enojada, benzi-me e corri para a sala. Fiquei no sofá, deitada, inerte, pensando em como poderia evitar novos dissabores, até adormecer. No outro dia, acordei disposta, fiz uma compra online — um novo colchão — e deletei o anúncio no site de quartos para alugar. 

 

Conto escrito por
Cupertino Freitas

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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