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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 2x11 - D.O.R

Conto de Manassés Abreu
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Sinopse: Um jovem luta para sobreviver no caos da selva de pedra. Seu maior desafio é dar um vida melhor para sua família, que mora em uma área de invasão. Mas qual destino lhe aguarda?


2x11 - D.O.R
de Manassés Abreu

Esse gosto de sangue na boca, meus lábios estão inchados, será que quebrei um dente? Não basta estar na pior, tem que vir esses desgraçados e vir levar tudo que a gente tem!

 

Eu ainda estava recuperando o fôlego, encostado na parede pichada com a sigla de uma facção, tentava me levantar me apoiando numa lata de lixo. Os chutes na cabeça e nas costelas foram fortes. Tive sorte de não ter morrido. O maldito ainda apontou o revólver para mim e atirou, mas a bala não saiu. Ouvi os três “tecs” secos. O comparsa estava sentado na moto e saíram em disparada quando pensaram que tinha alguém virando a esquina. Quase morri três vezes seguidas. Isso faz de mim um gato? Teria gasto algumas das minhas sete vidas ou são nove? Quantas restariam?

 

Ri da minha própria desgraça. Acabei tossindo e cuspindo um pouco de sangue no chão.

 

Dessa vez, o Senhor Moacir vai me devorar vivo! Segunda vez em menos de um mês que perco a farda de garçom do trampo. Ele vai ficar muito puto comigo! Se já não bastasse as reclamações de horário...

 

O trabalho paga um salário mínimo, sem adicional noturno, mas o que salva são algumas gorjetas dadas pelos clientes mais conscientes. Muita gente não sabe, mas tem muitos bares que cobram os 10% e não repassam ao garçom. Vai tudo para o caixa e só depois é distribuído.... Sinto que os caras dão uma mordida antes de repassar o que é nosso.

 

Queria juntar uma grana para tirar a minha família daquele lugar, é uma casinha simples numa área de invasão, mas volta e meia surgem boatos de que ela está sendo disputada na justiça e que poderíamos ser postos para fora a qualquer momento. Tia Dolores e Junin merecem coisa melhor nessa vida!

 

Levo um tropeção no meio do caminho, o que me faz acordar das minhas divagações. Estou descalço, levaram os tênis que tinha ganhado de presente. A carteira vazia foi o estopim para ser surrado. A mochila também foi levada. Tudo o que restou dela foi uma alça rasgada na minha mão. Sobrevivi aos “temidos bandidos na moto”. Qualquer escroto com um comparsa e um revólver agora faz uma fita dessas.

 

Sigo mancando para a casa da minha tia. Ela vai ficar louca quando me ver desse jeito. Coitada dela, vai chorar horrores preocupada comigo. 

 

Contudo, ao chegar no nosso casebre, que fica numa área de invasão do lado de riacho - que na verdade é um esgoto a céu aberto-, já a encontrei aos prantos do lado de fora, sentada no chão em frente à porta segurando com força um papel, que estava usando para enxugar as suas lágrimas.

 

 Que houve, tia!? Tudo bem com a senhora?  incrível como nessas horas a gente esquece da dor.

 

Ela seguia chorando, escondendo o rosto com o maldito papel e respondeu:

 

 Eles vão derrubar tudo amanhã de manhã! Passei o dia todo fora e só vi essa desgraça pregada na porta agora a noite, voltando do serviço. Como, meu Deus! Para onde eu vou levar vocês!? Para onde vamos levar tudo o que nós temos?

 

“Tudo”: Uma geladeira, um fogão, um ventilador, um armário com roupas e alguns poucos brinquedos de Junin.

 

 Tá tudo bem, tia. A gente tá vivo ainda. Eu pego um empréstimo, me viro para pagar o aluguel… a gente dá um jeito - não dava para falar direito. Eu tentava falar, mas vinha aquela maldita tosse e o gosto de sangue na boca ficava mais forte.

 

Ao me ouvir tossido, ela finalmente tirou o papel do rosto e prestou atenção em mim:

 

 Meu filho, pelo amor de Deus, o que fizeram com você!?  Ela me viu com aqueles olhos cheios de piedade que só ela tem.

 

 Fui assaltado, mas tô vivo, tia. O que importa é isso!

 

 Quer ir para o médico? A gente vai para o posto de saúde...

 

Gargalhei entrecortado com a maldita tosse sangrenta.

 

 Se formos lá vamos perder muito tempo! Se tiver sorte serei atendido só amanhã de manhã. A senhora não vai conseguir tirar nada daí. E o Junin, ele já sabe?

 

 Não. Ele ainda está dormindo lá dentro. 

 

—  Tive uma ideia. Vou conversar com um amigo que é catador de lixo. Vou pedir para ele para me ajudar na mudança com o carrinho. Vai dar tudo certo! - e taquei-lhe um beijo na testa.

 

— Você é um anjo, meu amor! Venha, vamos ao menos colocar algo nessas feridas.

 

Após um chá “bom para tudo” e algumas compressas, precisava cuidar das coisas. Já dava para ouvir o maquinário que iria demolir as casas ser estacionado na outra quadra. Começava a juntar polícia por ali. Acho que era para não deixar ninguém mexer com o equipamento pois ainda não tinha amanhecido.

 

Conversei com o Zé, ia pagar cinquentão para usar o carrinho dele e deixar as coisas lá de casa no barraco dele até encontrarmos um lugar para ficar.

 

Ele foi na frente, me ajudar a desmontar as coisas para levar no carrinho de mão improvisado dele: um casco de geladeira com duas rodas de bicicleta em cada lado.

 

O sol estava nascendo quando sai da comunidade levando a geladeira no carrinho. A poucas quadras dali havia algumas casas mais ricas. Volta e meia soava um alarme de uma casa que vivia dando mal contato de um galho na cerca elétrica. Aquilo deixava os “canas” de orelha em pé.

 

Não podia perder tempo. Fui levando logo a geladeira no carrinho para o barraco. Afinal, era ela e o fogão as coisas mais caras que tinham lá na casa. Na volta iria leva-lo.

 

Aquele não era o meu dia. Definitivamente não! Quando os milicos me viram levando uma geladeira num carrinho de mão às pressas, passando bem por trás da bendita casa que disparava o alarme não deu outra e me abordaram.

 

— Parado aí, vagabundo, mãos para cima!

 

Aquilo não tinha como acabar bem. Quando eles me pediram os documentos da geladeira eu não aguentei e ri. Tentei segurar o riso, mas daí veio aquela tosse com sangue. Tentei segurar também, mas não deu outra: dei uma cusparada involuntária de sangue na cara do milico. Preciso dizer o que aconteceu depois daquilo?

 

Definitivamente eu deveria ser um tipo de gato! Depois da sura, caí no córrego, quase inconsciente, mas consegui sair dele alguns metros à frente, me agarrando ao mato que crescia nas bordas.

 

Me arrastei até conseguir sair. Estava exausto. Tentei me erguer, mas minhas costas estavam me matando. A borracha comeu com força. Apenas consegui me virar, naquela mistura de ervas daninhas, lama e cimento e apaguei.

 

Quando acordei, o sol já estava alto no céu. Os apitos das máquinas, os gritos de ordem e os protestos se enfrentavam no ar. 

 

Finalmente consegui me sentar. Não tinha mais sinal de Tia Dolores, de Junin ou da nossa casa. Era só a polícia e os manifestantes se engalfinhando no meio de toda aquela poeira levantada por tratores.

 

Puta merda! Quanto o cara tem que ganhar por mês para ser tratado como gente?!

 

Doía muito para respirar, ficava cada vez mais difícil. Os peitos e as costas doíam a cada inspiração.

 

A resistência à desocupação forçada tinha subido cada vez mais. Era possível ouvir tiros. O cheiro das granadas de gás e dos pneus queimados nas barricadas dificultava ainda mais a respiração, me dando a impressão que eu iria morrer afogado mesmo estando fora d'água.

 

* * *

 

Acordei com o cheiro de fumaça. Por alguns instantes, lembrei que um dia eu tive uma família, um trabalho e um lugar para morar. Parece que algum engraçadinho achou que seria legal pôr fogo no mendigo. Tinha gastado o pouco que eu tinha levantado ontem com algumas pedras de crack. O efeito já tinha passado, tudo o que eu sentia era fome, sono e uma tristeza sem fim. Com a minha carne torrando e se misturando junto aos trapos e a caixa de papelão, me levantei no susto, só para levar uma bicuda na cara. Os malditos ainda estavam ali e queriam ver o meu sofrimento. O Porsche Panamera preto ali estacionado, os três marginais riquinhos com gel, camisas de marca e cordões de ouro seguiam a me espancar, tomando todo o cuidado para não se queimarem.

 

Num momento de agonia e dor extrema, consegui me agarrar a um deles em um desses chutes. Eu sei que vou morrer, mas, ao menos vou levar um comigo…

 

* * *

 

Manchete: Filho de deputado federal dá entrada no hospital com 80% do corpo queimado após um extremista-comunista pôr fogo em seu próprio corpo e agarrá-lo, em protesto contra a desigualdade social.

 

O agressor, identificado como Dorgival Oliveira Ribeiro, 24 anos, já tem passagem pela polícia. O delegado do caso disse que várias linhas de investigação serão abordadas. Cogita-se desde que ele tenha se afiliado a organizações de extrema-esquerda, alguma facção ou mesmo que esse poderia ter sido um ato de um “lobo solitário” – indivíduos com desvios mentais e/ou motivações ideológicas, agindo por conta própria que acabariam realizando algum atentado à segurança pública ou figuras ilustres.

 

De acordo com os relatos das testemunhas, o agressor teria identificado a vítima e, ao ver o grupo de garotos voltando de uma festa, gritado frases como: “Todo poder ao povo!”, “Morte aos riquinhos!” teria posto fogo em si mesmo e corrido atrás do grupo conseguindo alcançar o filho do deputado. Os amigos dele, em desespero e temendo pelo pior, tentaram separar o agressor da vítima, sem sucesso, se chamuscaram e sofreram ferimentos leves.

 

A família da vítima ainda não se pronunciou formalmente, mas o deputado falou que “Esse crime bárbaro contra o meu filho não ficará impune!”.
 




Conto escrito por
Manassés Abreu

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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Proibida a cópia ou a reprodução



Sinopse: Refinada golpista, usando de diversos pseudônimos, e de posse de elaborado e sofisticado enredo, onde é tramado assalto a uma famosa joalheria, dá início ao plano até sua perfeita execução.


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