Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 2x02 - Três Dias de um Sequestro - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 2x02 - Três Dias de um Sequestro

Conto escrito por Waldir Capucci
Compartilhe:

 




Sinopse: Uma trama muito bem elaborada para o sequestro de um médico pode causar surpresas aos envolvidos. No mundo do crime não se pode confiar em ninguém, e deixar rastros é para amadores.


2x02 - Três Dias de um Sequestro
de Waldir Capucci

30 de junho, sábado, 6h15m – encontro para o rateio

            Plantado na porta do hotel na cidade de Embu, o sujeito atentou para o piscar duas vezes do farol do carro que se aproximava. Era o sinal combinado para embarcar e receber a sua parte do pagamento. Impossível ver o rosto do condutor, ainda era inverno numa manhã de inverno com neblina, característica do lugar. Só poderia ser o Patrão, elemento que o contratara através do amigo Jorge, um ex-policial, necessitado de dinheiro tanto quanto ele.

            Estava animado com o valor a receber. A garantia mínima de cem mil reais poderia ser ainda maior em função das negociações, e qualquer um ficaria eufórico com tamanha quantia. E, independente de quanto fosse, tinha destino certo no que seria aplicado.

            Assim que acomodou-se recebeu uma efusiva saudação do condutor parabenizando-o pelo sucesso. Foi-lhe solicitado que abrisse a mala de couro que estava no banco traseiro. Atendeu e espantou-se com o grande número de pacotes contendo cédulas de 50 e 100 reais. Receberia mais do que pensara.

            Pouco tempo depois chegaram a Cotia, cidade próxima, para o embarque de Tico, outro elemento do bando. Após acomodar-se no banco traseiro foi também saudado pelo sucesso da missão e convidado a tocar nas cédulas. Foi reconhecido pelo novo passageiro, mas este manteve-se quedo; sabia ser o silêncio uma prática de sobrevivência no mundo do crime.        

            Faltava o último elemento, Jorge, justamente o que cuidara da vítima. Ele os esperaria para a divisão em um carro branco estacionado em uma estrada vicinal próxima de um pesqueiro. Cada um receberia o combinado pela participação e se dispersariam. Os dois passageiros seguiriam com Jorge e ficariam no aguardo para a convocação de um novo trabalho sujo.

            O carro foi avistado, e da mesma forma que fora sinalizado para Fredo, o foi também para ele. O piscar duas vezes dos faróis respondido confirmou a presença do último parceiro. Os três desceram do carro para o rateio, mas a vitoriosa parceria encerrou-se ali.

            Patrão fez uso de um revólver para alvejou seus passageiros com tiros nas cabeças, sem que tivessem tempo para qualquer reação. Em seguida retirou a maleta de couro do banco traseiro e deixou sobre o mesmo um mapa indicando o local do cativeiro, como pista para que a polícia o encontrasse.

            Dirigiu-se ao veículo branco onde outra pessoa o aguardava já com o motor ligado e acomodou-se no banco do carona. Comemoraram o ato praticado e seguiram em sentido à rodovia Raposo Tavares. No caminho, entre risadas, beijavam os maços de dinheiro que continham as cédulas.       

- - -

26 de junho, terça-feira, 19h - véspera

            Hospedados em um simples hotel de beira de estrada, os três homens escalados para o sequestro aguardavam as últimas instruções. Foram avisados que seria na manhã seguinte. Por meio de um telefonema recebido por Jorge, foram orientados a buscar, mais tarde, um envelope a ser deixado junto com as chaves de um furgão sob o banco do mesmo. O veículo seria encontrado no estacionamento, com as portas destrancadas, durante a madrugada.

            Tudo estaria detalhado: fotos da pessoa, o local para realizar a ação e a logística a ser adotada. Após memorizarem, o material deveria ser queimado de forma que não ficassem quaisquer vestígios.      

27 de junho, quarta-feira, 5h35m – madrugada do 1º dia

            Jorge os chamou e encontraram o veículo. Aberto o envelope, alegraram-se em saber que o resgate a ser pedido seria de dois milhões, passível de negociação até o mínimo de quinhentos mil reais. Caberia 20% a cada um, valor, exceto a parte do planejador, no caso, Patrão, que teria o percentual de 40%.

O alvo da ação era o Dr. Élcio Rampazzo, médico conceituado e empresário de sucesso no ramo de saúde. Dono de um grande e muito bem aparelhado hospital que atende os mais importantes convênios, além de manter contratos com as principais empresas da região, algumas da capital, e uma carteira de particulares invejada e cobiçada pela concorrência. É diretor de uma importante cooperativa médica, e sempre convidado para assumir cargos ou candidaturas para a vida pública, sempre recusadas por falta de tempo e por priorizar o cuidar de seus próprios negócios, todos muito rentáveis.

            Viúvo, cinquentão, sem filhos, cabeça encanecida, Élcio contraíra segunda núpcias dois anos antes com uma jovem médica que tinha a metade de sua idade. Prestadora de serviços no hospital, onde se conheceram, e com o casamento ganhou, além dos presentes, o cargo de diretora financeira, o que aliviou boa parcela da carga de trabalho do marido.

            Élcio pode, então, retomar a prática de jogar tênis. E a primeira hora de cada dia ele a dedicava ao salutar jogo tendo como adversário, nos últimos tempos, o delegado Sávio, um sujeito mais moço e mais forte, porém, fraco na quadra de saibro. Seis meses de enfrentamentos quase diários e Élcio ainda não conhecera o sabor de uma derrota para o tenista mais jovem.

            E essa rotina diária que determinou o local e momento para o sequestro.          

27 de junho, quarta-feira, 7h – a preparação

            Repassados os detalhes e memorizado o rosto da vítima, ficou acertado que tão logo o alvo da ação adentrasse na praça ao final da rua, seria rendido por Fredo sob a ameaça de um revólver e jogado no furgão. Tico ficaria a postos para o transporte. Após, rumariam com o veículo até um galpão devidamente preparado para a troca do auto, precaução necessária prevendo-se uma possível anotação da placa por alguém que tivesse presenciado a cena.

            Feita a troca, as fases seguintes correriam por conta de Jorge e Patrão.

27 de junho, quarta-feira, 8h15m – o sequestro

            O empresário caminhava tranquilamente e sem demonstrar preocupação com o que ocorria ao redor. Jamais temera por assaltos ou atos violentos. E, se porventura aparecesse um assaltante, o único bem a levar seria a raquete de tênis já cediça e precisando mesmo ser substituída.

            Não atentou para a chegada do bandido que por algum tempo circunvagava a praça; foi tudo muito rápido. No instante em que pisava o calçamento foi rendido e atirado bruscamente para dentro do veículo estacionado com a porta lateral aberta. O indivíduo subiu junto, fechou a porta e o agrediu com violência. Não ofereceu qualquer resistência, e preferiu deixar-se amordaçar, vendar e ter as mãos e pés atados por presilhas plásticas.

            Em seguida sentiu algo sendo injetado em seu braço e, aos poucos, tudo foi se desvanecendo. Adormeceu rápido.

 

27 de junho, quarta-feira, 9h45m – o cativeiro

            Élcio acordou totalmente atarantado, e se viu em um cômodo engulhento que dispunha de um banheiro imundo e um colchão emporcalhado atirado ao chão. As janelas estavam soldadas por dentro tornando impossível abri-las, e a porta, também de ferro, tinha uma grade típica de prisão a separá-lo do ambiente externo, que deveria ser uma sala. Ouvia o som saído de um rádio e o barulho típico de alguém cujo corpo está se mexendo seguidamente em um sofá ou móvel equivalente.

            Entendeu ser aquele o seu cativeiro. Restava orar e aguardar que tudo corresse bem de forma que continuasse vivo ao final.

            Passado algum tempo a porta foi aberta e pôde conhecer seu anfitrião, um homem mascarado, mas de fala mansa a ponto de tranquilizá-lo, apesar da situação. Como bom cuidador lhe trouxera um lauto lanche, pois o imaginava esfaimado. No dossiê que lera sobre a vítima constava que seu desjejum era feito após a prática esportiva diária.

Certamente se conheceriam melhor no decorrer dos próximos dias.

27 de junho, quarta-feira, 9h15m – a confirmação 

            A demora do patrão naquela manhã causou surpresa, a agenda estava tomada, pacientes aguardavam e os primeiros já reclamavam alegando compromissos a cumprir. Ele jamais deixara de avisar quando de imprevistos, inclusive, justificando o motivo. O celular encontrava-se desligado, e após contatar a residência foram informados pela esposa – que assumiria o plantão no período da tarde – de que ainda não retornara do clube.

            Mais que depressa a mesma prontificou-se a ir ao clube e mandar notícias em seguida. O primeiro pensamento foi de que algo de grave teria acontecido. A suspeita de sequestro passou a ser aventada, principalmente após encontrar a surrada raquete nas mãos de um garoto que a achara jogada no canteiro da praça. Logo depois, o ato criminoso confirmou-se com o recebimento de um telefonema do sequestrador. Pediu apenas para que não avisassem a polícia e que um novo contato seria feito depois sobre o valor do resgate.

Reunidos, os familiares decidiram por bem acionar a Polícia Civil para assumir o caso, contrariando o que fora pedido pelo sequestrador. A condição imposta era de que nada fosse veiculado na imprensa. Precisavam zelar pela vida de Élcio e, ao mesmo tempo não atrapalhar as investigações, que foram confiadas ao delegado Sávio Pena, amigo da vítima, companheiro de jogo e última pessoa a estar com ele naquele dia.

- - -

            Orientada pelo delegado, a Dra. Eliane, esposa de Élcio, justificou a ausência do marido por um pequeno acidente de carro, já resolvido, mas que necessitou viajar apressadamente para o interior com o intuito de prestar socorro a um irmão que passaria por uma cirurgia de emergência. Motivo, também, pelo qual ficaria afastado durante alguns dias.

            Enquanto isso as investigações para apuração do crime tomavam corpo. Mais que depressa uma central telefônica foi instalada para receptar possíveis ligações dos sequestradores, a fim de apurar a localização dos chamados. E a residência passou a abrigar novos hóspedes, todos policiais.

            O dia encerrou-se sem qualquer contato. Restou aguardar o dia seguinte, quinta-feira, para continuarem as operações e tentar desvendar o crime, salvar a vítima e prender os envolvidos.

            Pouco antes da meia-noite um pequeno invólucro foi jogado por meio de um drone no jardim da casa, mas recolhido somente na manhã seguinte. Nele estava um bilhete com o valor pedido para a soltura do prisioneiro: dois milhões de reais a serem pagos no prazo de 48 horas.

28 de junho, quinta-feira, 8h35m – o 2º dia

            Eliane trabalhava somente no período da tarde, mas compareceu na clínica de manhã com a justificativa de que precisa cobrir a agenda de consultas do marido, o que era verdade. A única mentira foi sobre a operação do cunhado. Disse que tudo correra muito bem, e que dentro de poucos dias o marido estaria de volta ao trabalho. Conseguiu manter a postura sem deixar transparecer a real situação pela qual passava.

            Enquanto isso, o delegado Sávio não encontrava qualquer indício que pudesse levar a elucidação do caso. Restava aguardar algum contato sobre o valor do resgate e, assim, dar início às negociações para a soltura.

            Não houve nenhuma até o início da tarde. Aconselhado pelo policial, Eliane tratou de levantar de quanto poderia dispor para pagar o resgate. Reservas financeiras haviam do valor, tanto da pessoa física como da jurídica. E a esposa, como diretora da empresa, poderia sacar a importância, mas o delegado aconselhou que aguardasse novo contato para tentar diminuir o valor, seria uma forma de conhecer o perfil da outra parte. A espera foi longa, a ligação recebida foi bem à noite e muito rápida.

            Do outro lado, uma voz pediu a confirmação de quando seria o pagamento para que pudesse indicar o local a ser deixado o dinheiro. E aceitou de modo muito fácil, sem contestara, que o valor fosse reduzido pela metade, o que não era comum em casos parecidos. Informado do fato, o delegado raciocinou rápido e esfregou as mãos de contentamento. Devia tratar-se de amadores, o que facilitaria para que fossem pegos na hora de recolher o dinheiro. Por outro lado, poderiam ser perigosos pela inexperiência, colocando em risco a vida da vítima.

29 de junho, sexta-feira – 3º dia, o dinheiro do resgate

            No hospital nem tudo correu bem. A ausência do diretor fazia falta no gerenciamento da casa, ainda mais que a Dra. Eliane precisou ausentar-se boa parte da tarde para atividades particulares, o que acabou por sobrecarregar a agenda de outros médicos. Na verdade, se ocupara em fazer a retirada do dinheiro no banco para pagar aos sequestradores.

            Os agentes da lei acharam mais prudente permitir que o dinheiro fosse recolhido naturalmente. Fariam o monitoramento do recebedor através de um pequeno transmissor de sinal colocado na sacola, que permitiria o rastreamento por sinal. Tudo deveria ser feito para salvaguardar a vida de Élcio, e a ofensiva policial seria feita tão logo confirmada sua soltura.

            Por volta de dezessete horas um telefonema recebido pela Dra. Elaine em seu celular causou apreensão. Os elementos não poderiam ser tão amadores, como chegara a pensar o delegado.  Deram instruções precisas sobre o local de entrega para a madrugada do dia seguinte, a forma como deveria ser feita e a observação de que qualquer movimento suspeito da presença de outra pessoa que não o motorista, a vítima seria morta imediatamente.

            Se tudo fosse obedecido o sequestro terminaria de maneira satisfatória para a vítima. Seria solta algumas horas depois em local movimentado e de posse de um celular para que acionasse alguém para buscá-lo.

            A madrugada de sábado seria movimentada. Todos foram para suas casas e a operação desmontada. Ficou combinado que o delegado seria o transportador. Ele voltaria no início da madrugada para recolher a sacola com o montante a ser pago.

29 de junho, sexta-feira, 20h50m – não deixar rastros

            Um carro percorre o terreno acidentado que leva até o cativeiro. Jorge escuta o barulho e olha pela fresta da janela. Ouve o soar da buzina e observa o piscar dos faróis. Responde ligando e desligando duas vezes uma lanterna. Abre, então, a porta para a entrada de Patrão que lhe traz notícias sobre o andamento das negociações.

            O organizador fala propositalmente em um tom que permite a Élcio ouvir do quarto em que estava prisioneiro. E o que ouve o apavora. Ainda mais que a voz lhe é conhecida.

            O andamento das tratativas é participado a Jorge, inclusive um fato novo: a de que o prisioneiro precisará ser morto de forma a não deixar rastros que pudessem identificar qualquer dos participantes. E ante o espanto do comparsa revela o motivo: o contratante do sequestro é ele mesmo, delegado, amigo da vítima e amante de sua esposa, Dra. Eliane.

Sócia e herdeira natural dos bens, no máximo em dois anos, tudo estará esquecido e casarão, podendo usufruir juntos de todos os bens. Ninguém suspeitará, afinal, são jovens, já se conheciam antes e o envolvimento emocional da situação que viveram teria colaborado por aproximá-los.

Como prova do sucesso plano engendrado por ele, deixará uma pista para que o local do cativeiro seja descoberto pela polícia. A vítima estará morta e o caso será encerrado por ele – disse rindo -, o delegado responsável, sem qualquer pista dos autores de tamanha atrocidade.

            Jorge assustou-se com tamanha frieza. Em nenhum momento aventaram antes a hipótese de assassinar a vítima, já bastava a agressão física e psicológica sofrida. A posição de Sávio foi firme. Mandou que Jorge cuidasse da vítima, ou ele, delegado Sávio, mataria a ambos. E para agradar o comandando disse que cederia a ele sua parte do resgate. Jorge passava por sérias dificuldades financeiras em função da esposa estar acometida de grave doença, e seiscentos mil reais o fariam sentir-se menos culpado.

            Sabendo que Sávio não hesitaria em fazer o que falara, Jorge abriu a porta que dava acesso ao quarto de Élcio, pediu-lhe desculpas e atirou. O som de três estampidos ecoou junto com o dos pássaros que voaram assustados do lado de fora da casa. Voltou à sala cabisbaixo e disse que a missão estava concluída, já podiam ir embora daquele lugar.

            Não estava concluída. Um novo tiro, agora disparado por Sávio o atinge no peito. Nenhum rastro poderia ser deixado, dissera antes o delegado.

30 de junho, sábado, 2h – o grande golpe

            O delegado Sávio retira na casa de Eliane a bolsa com o dinheiro. O chip para rastreamento está incrustado por dentro da costura. Nenhum outro policial o acompanhará, mesmo à distância, para garantir a vida do sequestrado conforme estabelecido antes.

            O local para desova havia sido escolhido pelo próprio delegado e mentor do sequestro. Estacionou seu carro em uma estrada erma, aguardou em torno de dois minutos para retirar e transferir todo o volume para uma mala de couro e jogou no mato a embalagem anterior. De nada mais adiantaria o chip.

            Por volta de quarenta minutos já havia retornado à casa de Eliane e, junto com a equipe, lamentou a perda do sinal que poderia levar a prisão dos malfeitores. Dispersou seus homens e seguiu para casa alegando cansaço, mas estaria atento ao telefone para atender qualquer chamada, se fatos surgisse algum fato novo. Ficou combinado que tão logo o sequestrado fizesse contato ou aparecesse na residência a esposa acionaria a polícia.

            Poucas horas depois estava dirigindo um automóvel furtado para buscar Fredo e Tico e dar por encerrado definitivamente o caso. Precavido tratou de colocar luvas de forma a não deixar qualquer digital no veículo que pudesse levar a sua identificação.

30 de junho, sábado, 7h20m - comemoração

            Antes que o veículo branco pegasse o asfalto, Élcio e Eliane trocaram um ardoroso beijo comemorando o fim do trabalho. Agora, precisavam ter paciência para aguardar a conclusão do inquérito e o inventário dos bens para que ela fosse dona de todo o patrimônio do marido. Depois, viagens e o casamento conforme programado. E, por fim, viver felizes para sempre graças ao ardiloso plano concebido e executado.

            Voltavam à residência quando o telefone de Sávio tocou. Um dos investigadores o alertava sobre o encontro do veículo com dois corpos e um mapa indicativo sobre o lugar do possível cativeiro.

Tudo ocorria conforme planejado por Sávio. Pediu o endereço e informou que buscaria a esposa do doutor para levá-la ao encontro do marido, mas que o avisassem de imediato sobre a situação do esposo, com o intuito de prepará-la no caso de algo grave ocorrido com o mesmo.

30 de junho, sábado, 7h55m – elucidação

            Um novo chamado no celular do delegado o avisa do encontro do corpo de Élcio e de uma outra pessoa. Fazendo uso de gírias empregadas no meio policial pede que segurem a informação para que a, agora, viúva, não fosse alertada sobre o final macabro.

            Enquanto percorriam os últimos quilômetros para chegar ao local começaram a ensaiar a reação que Eliane deveria demonstrar ao ser notificada da morte do marido. E uma outra, para o momento que visse o corpo.

 

            Foram introduzidos imediatamente ao interior da casa onde estavam três soldados, um legista, o delegado corregedor e, surpreendentemente... Élcio, vivo e em pleno gozo de saúde. Não havia cadáveres no local. No rosto do delegado viu-se claramente o estupor pelo revés. A trama que o casal imaginava insuspeita estava, por fim, desvelada.

            A voz de prisão a ambos foi ordenada de imediato. E seguiram algemados à delegacia para que fosse lavrado o boletim de ocorrência.

            A história do sequestro foi contada exaustivamente nos principais jornais e programas de televisão. Em nenhuma das matérias se falou sobre a participação de Jorge no episódio.

04 de julho, quarta-feira, 13h – narrativa à imprensa

            Cinco dias depois de libertado, no principal telejornal daquele horário, o Dr. Élcio Rampazzo concede uma entrevista ao vivo relatando seu infortúnio e o final surpreendente. E narra tudo por que passara durante o curto período.

            Falou da amizade com o delegado, da convivência conjugal e detalhes de sua vida. Chorou somente quando perguntado sobre a conversa que ouvira entre o delegado e o sequestrador que o mantivera cativo. Nunca vira seu rosto, pois estava sempre fazendo uso de máscara, mas deveria ser alguém de boa formação moral. Possivelmente compungido pela ação sórdida cometida, lhe fez sinal para manter-se em silêncio e disparou no colchão que estava no chão. Não sabia dizer mais nada sobre a pessoa, mas graças a ela é que estava vivo.

            Encerrou informando saber a polícia sem qualquer pista sobre seu paradeiro ou como identificá-lo, visto que nem pôde fazer uso de um retrato falado para ajudá-la por nunca lhe ter visto o rosto. E encerrou dizendo que todo o valor pago pelo resgate havia sido recuperado.

19 de julho, quinta-feira, 10h50m – cirurgias e novo trabalho

            A cirurgia de Cléa, esposa de Jorge, é encerrada com sucesso. O câncer fora extirpado e ela estava salva. Ao retornar do centro cirúrgico para o quarto tinha a esperá-la no quarto o filho Jorge Junior, que passara a trabalhar naquele hospital na semana anterior e recebera do Dr. Élcio, seu proprietário, a promessa de custear seus estudos.

            No final do mesmo corredor, em outro aposento, Jorge se restabelece também de uma cirurgia. Naquela noite em que foi baleado, fora socorrido por Élcio, que saíra do aposento contíguo assim que ouviu o barulho do motor indicando que Sávio se afastara. Estancado o sangramento causado pela bala, o médico utilizou o mesmo veículo que o trouxera ao cativeiro para locomover Jorge ao hospital. Só que, desta vez, os papéis estavam invertidos, era ele o condutor, e o ferido, passageiro.

            Agora amigos, sequestrador e sequestrado aguardam pela recuperação completa do primeiro. Assim que confirmada assumirá o cargo criado de chefe da segurança pessoal do segundo, também responsável pela segurança patrimonial do hospital.

Uma exigência peculiar feita pelo patrão é que causa preocupação ao futuro empregado: iniciar rapidamente as aulas de tênis para jogar diariamente com o chefe, como fazia o parceiro anterior.






Conto escrito por
Waldir Capucci

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



Copyright 
© 2020 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução


 

Sinopse: Casal e menino são parados por excesso de velocidade no Mercedes. Dois policiais examinam o automóvel e encontram um pó suspeito. O conto decorre com idas e vindas infelizmente corriqueiras na vida de alguns policiais.



Compartilhe:

Antologia

Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana

Episódios da Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana

No Ar

Comentários:

0 comentários: