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O Eleito: Capítulo 03

Minissérie de João Sane Malagutti
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O ELEITO - CAPÍTULO 03




 


FADE IN:

1. EXT/CAIS DO NILO/RUAS DE LUXOR/NOITE                      

 

Retomada: Nau em chamas. Reflexo nos olhos da rainha ANTHIEPT que admira o fogo. Atrás, TUTANCAN, lacrimeja. Suspense.

 

ANTHIEPT

si)

O segredo morreu em ti.

 

TUTANCAN

(perplexo)

O fizeste? (T) Que segredo ameaçador é este nos fez ceifar aquela mulher?

 

ANTHIEPT

Segredos! Os mais sórdidos que agora se foram para sempre! (T) Aprenda: Mãos sujas, moral limpa! O poder pelo poder!

 

ANTHIEPT caminha pelo cais. TUNTANCAN, ainda perplexo observa a nau. NEVERA, abalada, entre cestos, foge em surdina.

 

(Cont’d) Voltemos! Darão a nossa falta no palácio!

 

TUTANCAN segue a avó mantendo certa distância atrás. Os poucos soldados abaixam-se e outros curvam-se intimidados. Ela os olha com altivez e eles desviam o olhar.

 

-- RUAS DE LUXOR:

Suspense instrumental. NEVERA corre pelas ruas em lágrimas. As pessoas a observam com diferentes reações (como curiosidade, compaixão, ironia, etc). Ela para próxima a uma barraca com cerâmicas e cestos. Respira e tenta controlar o choro. Enxuga as lágrimas e sai apressada. Numa esquina tromba com NEMEWÁ. Ele a encara preocupado e ela irrompe em lágrimas. Ele a segura pelos ombros.

 

NEMEWÁ

(assustado)

O que está acontecendo?

 

Ela meneia negativamente sem conseguir falar. Ele a abraça com compaixão. Close em NEMEWÁ.

 

SETNIAK (V.O.)

Ela está morta!

2. INT/TEMPLO DE OSIRIS/NOITE                                

 

Suspense. Apoiado em um cajado, o cego SETNIAK anda em volta da fogueira no chão. Ele ergue a cabeça e revira os olhos.

 

SETNIAK

A rainha mesma arquitetou o plano e o executou. (T) Agora, é esperar que os castigos se abatam sobre a família.

 

Sorriso irônico. ZAHRA sente um arrepio e cruza os braços.

 

ZAHRA

Quais? Que castigos, adivinho?

 

SETNIAK

Todos! (T) O principal: o trono! o risco de se perder entre herdeiros. (segreda) Atente-se aos teus filhos, princesa; se não quiseres ver uma tragédia; ensine-os a se respeitarem.

 

ZAHRA cruza os abraços e se arrepia preocupada.


3. INT/CASA DE NEMEWÁ/NOITE                                  

 

NEVERA em prantos. NEMEWÁ contendo o misto de fúria e tristeza.

 

NEVERA

Nerfiri saiu daqui pressentindo que não mais voltaria! (T) Não afronte essa gente, Nemewá. São perigosos!

 

NEMEWÁ visivelmente irritado para diante dela.

 

NEMEWÁ

Ela não tinha que ter ido ao Palácio. Não devias tê-la deixado ir.

 

NEVERA

Ela foi escoltada a mando da rainha. Foi certa de reaver o seu trono! É um direito teu, Nemewá. (T) Com certeza armaram uma armadilha para ela. Ela se foi, mas a luta pelo seu direito vai continuar em mim, meu sobrinho.

 

NEMEWÁ

Não! De agora em diante, eu assumo as rédeas do meu futuro. Ninguém mais age por mim. O trono já não será meu. Meu pai morreu sem me reconhecer. (choro) Só me resta ir à margem do rio e saudar a alma de minha mãe.

 

NEVERA

(serena)

Antes, senta-te! Ouça, meu sobrinho...

NEMEWÁ obedece. NEVERA se abaixa e segura as suas mãos. (cont’d) Tua mãe fora humilhada ao

ser presa. Ela não envenenou ao rei.

(T) Ela seria incapaz de cometer tal ato. No âmago, ela amava Anounak.


 

NEMEWÁ abaixa a cabeça e lacrimejante.

 

(Cont’d) A rainha! Foi a rainha quem armou tudo! Eu a vi com aquele neto; o mulher! Tramavam no cais. (para si) Traçaram um plano cruel da qual a pobre não pode se defender.

 

NEMEWÁ controla o choro e a encara.

 

(Cont’d) Eles são cruéis assassinos! Eu sei! Eu sei! Eu vi! Não tive como impedir! (T) Vingarei a morte de Nerfiri, meu sobrinho. Como disseste: não é o trono o que importa agora.

Caiu sobre nós a alcunha de traidores. (T) Mas, sei o que fazer para limpar a honra de nossa família!

 

NEMEWÁ

Não! Não farás nada. Eu o farei. No tempo certo; ao que for o propício. Essa guerra é minha!

 

NEVERA

Duas cabeças pensam melhor que uma. Deixe-me agir! Peço que ignores a minha presença em público ou no palácio. (T) Por sorte, o destino me colocou como serva da rainha. Tudo o que se passar lá, estarei ciente.

Posso te ajudar!

 

NEMEWÁ

É arriscado! Não posso permitir!

 

NEVERA

Vou! Mesmo sem a sua permissão (T) Nerfiri está morta e vou me vingar!

 

Segura NEMEWÁ pela cabeça e o beija na testa. 

(Cont’d) Somos dois. Um cuida do outro. É preciso andar lado a lado.

 

NEMEWÁ beija a sua mão com carinho e em respeito. Instrumental.

4. EXT/APOSENTOS DO PRÍNCIPE/SALÃO SACERDOTAL/NOITE           

 

ANTHENOKEN deitado com lágrimas escorrendo. MALIK o abana. ZAHRA ENTRA e encara MALIK em desagravo. Deita ao lado do marido e o abraça por trás. Ele puxa a mão da esposa e a leva em seu membro.

 

ZAHRA

(incomodada)

Não é tempo para isso! Olhe ao redor tudo o que acontece neste/

Ele a beija. Vai para cima dela com voracidade. Ela aparta. (Cont’d) Não! Não assim! Não na frente

do escravo!

 

ANTHENOKEN

Escravo não, servo! Acostume-se com a presença. Não confiarei os aposentos a ninguém desta cidade depois do que aconteceu. (impõe) Quer queira, ou não, ele fica!

 

ZAHRA

(decepcionada) Como queira, meu senhor!

 

A beija com voracidade. Aos poucos ela cede; MALIK, não será mais entrave, ela o encara vez ou outra como uma disputa. À partir de agora cortes descontínuos para desenhar uma cena de um príncipe emocionalmente desajustado diante a situação de luto. Enquanto faz amor, o cântico do embalsamento do rei passa a dominar instrumentalmente a cena. Beijos ardentes pelo corpo. 

-- SALÃO ACERDOTAL:

Sacerdote OMAR, mascarado como Anúbis, e, outros sacerdotes abrem ANOUNAK com um bisturi de pedra obsidiana diante de Shenk. Retiram com cuidado os órgãos, exceto o coração, e colocam em vasos. As tampas dos vasos devem conter as cabeças de deuses esculpidos.

 

-- APOSENTOS DO PRÍNCIPE:

Durante a relação, ZAHRA está de costa para ANTHENOKEN. Ele está visivelmente excitado e não tira os olhos de MALIK. 

-- SALÃO SACERDOTAL:

SHENK assiste o embalsamento. Dado momento, OMAR retira a máscara, aproxima do rapaz e o leva diante do avô. O dá um pedaço de linho e faz um gesto para que limpe o defunto.

 

OMAR

Aqui, meu jovem, o coração está presente. É parte de sua alma que vai com ele ao julgamento.

 

SHENK o olha com atenção.

 

(Cont’d) O futuro rei deve saber dos cuidados com o Faraó e de sua divina importância. O coração ficará nu aos olhos de Osíris. Seja respeitoso com o nub!

 

Carinhosamente, SHENK que limpa o corpo. 

-- APOSENTO DO PRÍNCIPE:

ANTHENOKEN cai extenuado ao lado da esposa. Vista do alto: os dois em silêncio e nus. Closes: ZAHRA triste, ANTHENOKEN, de costas, chora. MALIK os abana com olhar ao longe.

5. INT/CORREDOR/SALA DO TRONO/NOITE                      

 

ANTHIEPT beija a testa de TUTANCAN.

 

ANTHIEPT

O que viu no cais, jamais deve ser pronunciado. O segredo morreu ali, inclusive para nós. Espero que isso não lhe traga pesos na consciência. A culpa pode ser um calabouço para a alma.

 

TUTANCAN

Um nobre deve fazer o que tem que ser feito; mesmo que cause sofrimento. Eu compreendo o peso do poder, minha avó!

 

ANTHIEPT

Compreendeste melhor do que imaginei. Vá descansar. Fizeste demais por hoje!

 

TUTANCAN beija a mão da rainha e SAI. Ela encosta numa pilastra e olha para o nada. ANOUNAK surge envolto de luz.

 

ANTHIEPT

Está feito! Acabou...

 

Por trás de ANOUNAK, NERFIRI surge e segura a sua mão. ANTHIEPT chora.

 

(Cont’d) Sempre foi ela, Anounak! Jamais habitei em ti, não é? (T) A escolhida em seu coração, foi ela.

 

As aparições somem e o corredor se escurece. Ela CAI escorada numa pilastra em choro baixinho, angustiada pela assombração. Tem punhos cerrados pressionando a fonte. 

-- SALA DO TRONO:

SHENK ao trono e pensativo. TUTANCAN entra sorrateiro.

 

TUTANCAN

O trono nem esfriou...


 

SHENK

Onde esteve? Não participaste do início do ritual de embalsamento.

 

TUTANCAN

Estava com a avó. A rainha tinha afazeres para o futuro deste reino.

 

SHENK

Quais afazeres São mais importantes que o ritual? O funeral é do marido dela!

 

TUTANCAN

Se, ela não o disse, eu quem não a delatarei. É um claro sinal de que ela não confias em ti. Mas, em mim, sim! (T) A propósito, Shenk, o trono tem uma linha de sucessão: vovó, papai e quem sabe, mamãe. Depois; só depois, vem você. Não se apresse em se apossar do que não é teu, afinal, os usurpadores não são bem quistos!

 

SHENK se aproxima e ficam tet-tet. Desafio.

 

SHENK

A boca fala do que o coração enches, meu irmão! Será que sou o que deseja “isso”? (aponta) Estais livre. Sente- se! (T) Prove um pouco do poder para quem sabe, se ajuíze e amadureça!

 

TUTANCAN engole. SHENK o olha desafiadoramente e SAI.

 

TUTANCAN

(para si)

Não sou o fraco que imaginas, Shenk! Ainda provarei o meu valor e tereis o respeito que mereço, meu irmão!


 

Aproxima-se do trono e o acaricia, admirado e seduzido.

6. INT/TEMPLO DE OSÍRIS/NOITE                                

 

OMAR ENTRA. SETNIAK para ao ouvir os passos. Suspense.

 

SETNIAK

Ouço teus passos, Omar. Estão pesados!

 

OMAR

Para um cego, enxergas mais que os que têm os olhos intactos. (T) Queria eu, por ora, ser cego e surdo. (pesaroso) Quem sabe até mesmo um incapaz de tomar partidos.

 

OMAR bebe água na fonte.

 

(Cont’d) O sacerdócio é um deleite doloroso!

 

SETNIAK

A sucessão afetará a todos e sabemos do peso que recairá sobre ti. (T) Vieste para consultar o oráculo, mas, neste caso, creio que não seja necessário incomodar os deuses, Omar. As respostas estão diante dos teus olhos.

 

OMAR respira fundo. Olha ao longe.

 

OMAR

O que fazer Setniak?! O quê?!

 

SETNIAK

Deixe que a água flua na correnteza. Os fatos precisam acontecer para expor o caráter das pessoas. Sabes que o nub foi assassinado! Colheu o que plantou. Deixe que as consequências recaiam sobre as ações dos envolvidos. Deixe!


 

Vista do alto. SETNIAK anda em volta da fogueira e ergue o cajado como se invocasse algo das profundezas. A fumaça sobe.

 

OMAR

Este reino é marcado pelas batalhas que Anounak travou e as venceu. Deu a Luxor o progresso e a força que somos! Enquanto um sacerdote não posso deixar que retroceda! A sucessão é estrutural e... (T) Anthiept é passional; não consegue ser estrategista! Incapaz de manter a sobriedade e a prosperidade de Luxor.

 

SETNIAK

A fumaça! (aspira) Ela diz que... a rainha não reinará. A sucessão será masculina e na linhagem de sangue de Anounak.

 

OMAR funga ironicamente.

 

(Cont’d) Não se afeiçoa ao príncipe?

 

OMAR

Tal a mãe! os interesses próprios.

 

SETNIAK

mais gente na linhagem...

 

OMAR

Nemewá?! Como elevar o bastardo ao trono? (perdido) Seria mais fácil se fosse o neto. Shenk é como Anounak! Só que mais jovem, e com mais vigor.

 

SETNIAK

Quatro são as estações, os cantos do reino e, também, os herdeiros homens: Nemewá, o bastardo, mas primogênito, Anthenoken, da relação oficial,


 

Shenk, como dissera e... (sombrio) não se esqueça do caçula Tutancan, que também tem o sangue real.

 

OMAR

Este jamais será Faraó! Não se pode ter no Faraó a condição vulnerável que o tens. (T) Podes ele, deitar-se ao desejo de desfrutar quantos homens puder, mas, não os servindo como uma mulher. Isso já o mostra como um inferior! Um fraco! (obstinado) Shenk seria a escolha mais sensata!

 

SETNIAK

Tomaste partido. Isso é perigoso!

 

OMAR

(insiste)

Pergunte ao oráculo se erro!

 

SETNIAK canta. Bate o cajado no chão e evoca a fumaça para o alto ao erguer os braços. Silêncio por alguns segundos.

 

SETNIAK

Sinto decepcionar. (T) A resposta é a mesma. Deixe fluir. Caso contrário, a história será banhada em sangue.

 

Suspense. OMAR com pensamento distante.


7. EXT/DESERTO/DIA ALVORECER 

Drama instrumental. Passos à margem do rio com a água pelos joelhos. Aos poucos a CAM abre e revela NEMEWÁ. Se aproxima do resto da nau que está à margem do rio. Põe a mão sobre o queimado, esfrega os dedos e olha compenetrado.

JUMP CUT:

NEMEWÁ sobre a nau queimada. Caminha vagarosamente até a proa e olha o rio. A brisa mexe suas roupas. Ele tem as mãos juntas e fechadas. Panorâmica. SLOW-MOTION: Abre os braços e joga a poeira para o alto. O vento leva para o rio.

NEMEWÁ (V.O.)

Sou grato, minha mãe. Pela minha vida, minha força e minha sorte. Pelo homem que me tornei. Anúbis há de acolher o teu e levar à Osíris para que tenha seu merecido julgamento e paz. (voz embargada) Fará muita falta!

Pega as cinzas da nau e joga sobre o rio. CAM persegue os desenhos que o vento forma n’água. Em NEMEWÁ com suas lágrimas.

8. INT/SALÃO SACERDOTAL/NOITE  

 

Suspense. ANTHIEPT caminha vagarosamente em volta do corpo de ANOUNAK. Descobre o corpo, segura a mão do defunto e a leva até o seu rosto como se fosse acariciada.

 

ANOUNAK (V.O.)

Arrependes de me matares?

 

Ela faz que sim com cabeça. Surge uma luz. ANOUNAK senta diante dela e do próprio corpo. Ele se observa em defunto.

 

ANTHIEPT

O que ela fez que eu não pudesse lhe proporcionar?

 

ANOUNAK de ombros.

 

ANOUNAK (V.O.)

Se vivo estivesse, sentiria, ainda, minhas mãos quentes a lhe acariciar.

 

ANTHIEPT

Do que me adiantaria se escolheste a ela. Á mim, só as decepções!


 

ANOUNAK

É relativo, mulher! Nunca soubeste de nada. Quando descobriste, escolheste o poder, não a mim. E, por isso findou a minha vida. Ciúme dela? Ou do filho?

 

Ela o olha como se caísse em si. Levanta-se. A luz se apaga. Olha por todos os cantos e não o encontra. Observa a face do defunto.

 

ANTHIEPT

Anounak! Queres tirar-me o juízo! (T) Se queres saber? A mim, de fato, o poder importa. (T) Farei o impossível para que o filho da traição não herde o trono. (com asco) Na balança de teu julgamento, há de pesar o adultério. Que Ahemait devore tua alma pecadora!

 

SAI pisando duro. CAM busca o rosto inerte de ANOUNAK.

9. INT/LAVATÓRIO DA ÁREA DE SERVIÇO/DIA 

MALIK espera demais servos saírem da fonte e adentra com sono. Lava o rosto e coloca-se de pé. Tira as vestes banha-se. CAM revela TUTANCAN a espiar. Os servos passam por ele e abaixam a cabeça em respeito. TUTANCAN se concentra em MALIK com feição de admiração. Música instrumental indica um sentimento.

TUTANCAN (V.O.)

Essa pele alva! Esse rosto! Um homem tão belo como jamais vi.

MALIK se molha a cabeça e deixa a água escorrer pelo corpo. TUTANCAN aperta suas partes com desejo. Suspense.

10. EXT/DUNAS DO SAARA/DIA

Vento leva areia. Suspense. TIME-LAPSE: Sol subindo. Efeito mormaço.


11. INT/SALA DO TRONO/DIA   

 

Suspense. MALIK abana ANTHENOKEN. NEMEWÁ, abatido, ENTRA e se curva ao príncipe.

 

NEMEWÁ

Mandaste chamar-me?

 

ANTHENOKEN

Sinto por vossa mãe, General. Não desejei o seu fim trágico, embora cometeste o pior dos crimes contra a honra desta nação! Foste um trágico e repentino acidente!

 

NEMEWÁ

Não! Não foi um acidente! (T) Fora assassinada de forma cruel e vil! Encontrarei o assassino e punirei!

 

ANTHENOKEN

É um direito teu! E, como foste fiel protetor de MEU pai, lhe dou o aval para tal. (T) Antes, saiba que a tua mãe feriu um soldado ao fugir. Pode ser que ela tenha motivado a própria morte! (T) Se for isso, encontre o criminoso e faça a justiça com as suas próprias mãos.

 

NEMEWÁ

Quem disse que quero a Justiça?! Não sejas ingênuo! Quero vingança! E, vou achar os culpados, meu irmão!

 

ANTHENOKEN se levanta.

 

ANTHENOKEN

(irado/tom baixo)

Não me chames assim! Não sou o vosso irmão. Não o reconheço como tal!


 

NEMEWÁ

Negar a mim enquanto irmão é direito teu! Podes punir-me ou solicitar a minha execução, mas, Anounak, é MEU pai e não me calarei quanto a isso diante de ninguém e nem da família real. (T) Como não hesitarei a pena de morte pelo assassinato de minha mãe à realeza... (emocionado) Tão breve encontre as provas.

 

Suspense. O príncipe pensativo coça o queixo.

 

ANTHENOKEN

(sincero)

Se, tivesse sido alguém da família, eu saberia/

 

NEMEWÁ

Parece que não! (T) Os teus tripudiam debaixo de vosso nariz e não os veem.

 

ANTHENOKEN

(ameaça/tom baixo)

Não ouse se aproximar dos meus. Lhe tiro da frente do exército, de Luxor, se não fizer coisa pior contigo.

 

NEMEWÁ caminha até ele para embate. SHENK SAI de cena. (Cont’d) Farei com que/

NEMEWÁ

Não farás nada porque não és o Faraó. O trono agora é de vossa mãe. Serás, tu, mais um a morrer sem a alcunha de Faraó. Morrerás tão insignificante como vives. (T) Escravo dos próprios medos. Dos desejos! Um vergonhoso filho para MEU pai. Ele não o merecia este desgosto!


 

Aponta para MALIK. O encara severamente e SAI. ANTHENOKEN olha para MALIK devastado e deixa o corpo cair sobe o trono.

12. EXT/JARDINS REAL/DIA 

 

TUTANCAN delicia-se com tâmaras à sombra de tenda formada por tecidos enquanto algumas mulheres o abana. SHENK chega pisando duro e o levanta segurando firme em seu braço.

 

SHENK

Tens de me dizer, meu irmão! O que fizeste a rainha e tu, ontem?

 

TUTANCAN se desvencilha. Faz gesto para as servas afastarem.

 

TUTANCAN

Não ouse me tratar assim novamente na frente dos servos. Quem pensas ser?

 

SHENK

(insiste)

Me responda! Estiveram no cais ontem à noite?

 

Close em TUTANCAN engolindo seco.

 

ZAHRA (V.O.)

Temo que se embatam!

 

13. INT/REFEITÓRIO REAL/ DIA

 

ANTHIEPT come frutas ao lado de ZAHRA.

 

ANTHIEPT

É saudável que se enfrentem. Os irmãos devem se encorajarem entre si.

 

ZAHRA

Como podes saber; tiveras a Anthenoken?


 

ANTHIEPT

Eu tive irmãos. Todos foram tombando aos poucos, em batalhas. Eu sobrevivi porque me ensinaram o embate, eis que me tornei a vara que se enverga, mas não se quebra.

 

ZAHRA preocupada caminha de um lado para o outro.

 

ZAHRA

Não me criei neste dogma! Eu não posso cegar-me ao risco que eles correm ao se enfrentarem. Disse-me, Setniak... (engole por medo) que.../

 

ANTHIEPT

(apreensiva)

O que o cego lhe disse? (T) O que as visões a ele revelou?

 

ZAHRA

Que deveria educa-los ao respeito. E, que uma tragédia cairá sobre nós. (T) Entendes o meu medo de mãe?

 

ANTHIEPT preocupada. Suspense.

14. EXT/JARDINS REAL/DIA 

 

SHENK e TUTANCAN. Retomada

 

SHENK

Onde estiveram? Não esconda!

 

TUTANCAN

O que quer pagar pela resposta?

 

SHENK

Isto não é um jogo! (T) Nemewá está à procura dos assassinos e pelo que percebi, ele já desconfia quem foi.


 

TUTANCAN senta preocupado.

 

(Cont’d) Ele colocou papai contra a parede; está autorizado matar aos culpados. (T) Mesmo que da família real.

 

TUTANCAN

(mente)

Não tens com o que se preocupar. (T) Saímos a nos consolar. (sorri amarelo) Faças o mesmo, teu sofrimento calado por nosso avô está a lhe consumir em tensão. Dá pra sentir daqui!

 

SHENK

(desconfiado)

És certo de que não tem mais nada a dizer? Nem para se proteger?!

 

TUTANCAN

Basta-te ao que te digo! Não sou um assassino!

 

Suspense. SHENK SAI pisando firme. TUTANCAN preocupado.

 

ZAHRA (V.O.)

Shenk é forte! É comedido e leal!

15. INT/REFEITÓRIO REAL/ DIA

ANTHIEPT e ZAHRA.

ANTHIEPT

Tutancan é tão leal quanto! Por mais que pareça frágil, tem uma fortaleza dentro de si. (T) Enfrenta olhares que lhe desaprovam o tempo todo por ser delicado e diferente. (T) Isso é força e coragem de verdade! Devias conversar mais com ele, invés de tender para o lado do primogênito.

 

ZAHRA

Eu os amo igualmente. A rainha está a dizer besteiras! Nunca que ia preferir mais a um que o outro! (T) Tutancan, pode ser o que quiser; mesmo assim, é o meu filho amado!

 

ANTHIEPT aproxima de ZARAH e deposita a mão em seu ombro.

 

ANTHIEPT

Deixe-o saber disso! Deixe-o sentir o amor de verdade. O preterimento é uma barreira incapacitante na mente de um Homem. (T) Quer, queiram, ou não, eu, o farei rei; ele tem a verve de nossa gente. Quanto a Shenk, seria um ótimo sacerdote. Não mais que isso!

 

ZAHRA a olha contrariada. ANTHIEPT sorri com carinho e SAI. 

16. INT/RIO NILO/ANOITECER

Pescadores aportam suas canoas. Movimento reduzido. TIME- LAPSE da lua subindo.

 

17. INT/SALA DO TRONO/DIA 

 

Instrumental. OMAR veste a máscara de Anúbis. Senta-se ao pé de ANOUNAK. ANTHENOKEN, senta à alguns metros do corpo, ao centro. SHENK e TUTANCAN sentam um de cada lado. Usam vestes reais para o ritual. Atrás do marido, ZAHRA com a mão em seu ombro. ANTHIEPT entra na sala e esbarra com SETNIAK.

 

SETNIAK

(à ela/sussurro) Conferes se consumaste de fato?

 

Ela recua um passo apreensiva. 

(Cont’d) Não te preocupe. O vosso segredo é o meu segredo. (sorriso de canto) Este e o do cais!

 

ANTHIEPT

(sussurra) Aberração!

 

Suspense. ANTHIEPT recua e SAI. SETNIAK sorri para si. Ritual: ANTHENOKEN ao centro, desfocado. MALIK espia da porta. TUTANCAN o vê. Levanta-se e coloca ZAHRA sentada em seu lugar. Ela o agradece com um carinho na mão e um sorriso meigo. Ele retribui e SAI. Close: ANTHENOKEN pensativo. DESFOQUE revela NEMEWÁ mais distante entre sacerdotes a enxugar as lágrimas. Suspense.

18. EXT/CORREDOR/NOITE

 

MALIK caminha pelo corredor quando TUTANCAN o segura pelo braço saindo por trás de uma pilastra. Conversa sussurrada.

 

TUTANCAN

Quem és o estrangeiro de pele alva que caminha livremente entre os servos e não junto dos escravos?

 

MALIK ameaça responder e se cala.

 

(Cont’d) Cortaram-lhe a língua? (com malícia) Lhe fizeram eunuco? Deixe-me ver!

 

Tenta espiar por entre as vestes. MALIK segura a sua mão.

 

MALIK

Não me toques, rapaz!

 

TUTANCAN

Não toques, tu! Aliás, toque muito! Sou o segundo filho do príncipe.

Ousas negar-me?!


 

MALIK, apreensivo desvia o olhar.

 

(Cont’d) Não temas, branco! (T) Todos sabem e fingem não ter olhos. A ordem aqui é o segredo absoluto.

 

MALIK o encara. TUTANCAN o acaricia nos lábios e queixo com o polegar.

 

(Cont’d) Jamais toquei uma tez tão alva! Nem beijei lábios estrangeiros. E, nem tão belos quanto aos teus. (T) O que mais aprecio dos homens é o beijo! Iniciam tímidos e com medo, porém, molhados. Depois, se doam como se fosse a última vez a beijar. (T) O beijo entre homens é tão ardente; ou até mais que de uma mulher.

 

TUTANCAN o pega pela nuca e se aproxima para o beijo. MALIK quase o beija seduzido; coloca o indicador sobre o lábio do rapaz o fazendo abrir os olhos.

 

(Cont’d) Lhe desejo, estrangeiro.

 

MALIK

(sussurra)

Também aprecio os beijos; que não posso tê-los. Custar-me-iam a vida!

 

MALIK o encara com verdade, se desvencilha e SAI. TUTANCAN encosta na pilastra e o olha com um sorriso de perdedor. SHENK surge e pigarreia. MALIK segue pelo corredor e TUTANCAN revira os olhos indo ao encontro do irmão.

 

SHENK

Tens de saciar-te à qualquer momento? És um homem com o corpo de um. Ajas responsavelmente como um. Respeite o ritual em questão; é o funeral de nosso avô!


 

TUTANCAN

Não! Não é o faraó! (T) É apenas uma carcaça velha a ser embalada. A alma se foi com o último suspiro.

 

TUTANCAN deixa seu lado mais afeminado transparecer.

 

(Cont’d) Deixe-o seguir o caminho! E, digo mais: deixe-me que viva os meus desejos; já tens tudo o que queres e precisa. Eu? Estou condenado a viver em tua sombra comparado como o fraco. Aquele que é inútil. (magoado) Deixe- me ser feliz com o que me resta, com a minha vida!

 

TUTANCAN SAI. SHENK o observa preocupado.

 

ANTHIEPT (V.O.)

Acalme-se; meu neto!

19. INT/TORRE/NOITE  

 

ANTHIEPT observa TUTANCAN chorando.

 

TUTANCAN

Estou farto disso! Farto! Só eu sei o quanto estou tentando me manter forte!

 

ANTHIEPT

És forte, querido! Não deve se abater por tudo que vai contra o que acha certo. O rei tem obrigações a cumprir.

 

TUTANCAN a olha contendo o choro.

 

(Cont’d) Ficarás comigo e ajudará a cuidar deste reinado?!

 

TUTANCAN

Não sei como posso! Parece que todos


 

em minha volta querem encarcerar-me a alma. Não me permitem que seja feliz como sou.

 

ANTHIEPT

Tuas escolhas trazem as consequências que sofre. Se olhares bem, embaixo tem pessoas que...

 

O puxa para a janela e mostra pessoas andando. Suspense.

 

(Cont’d) São como tu e não consegues saber. (T) O porquê?

 

Ele a olha com curiosidade.

 

(Cont’d) Manipulam os impulsos do corpo escondidos uns dos outros. Não expõem-se. Controlam para não sofrer como tu sofres. É preciso que o futuro rei se preserve, e aos teus.

 

TUTANCAN

Não consigo aceitar essa realidade. Qual a necessidade de esconder quem se é, se todos são iguais? A vida é permeada de mentiras e a hipocrisia deveria ser vista e punida como um crime! Achas certo ostentar mentiras?

 

ANTHIEPT

Não acho certo! Os segredos se tornam necessários justamente para proteger pessoas como tu e eu, que agimos por paixão. (T) As pessoas não entendem que a paixão nos move a agir por instinto, como o que fizemos no Nilo, Tutancan!

(T) Por isso os segredos são intocados. Ou a derrocada pode insurgir contra nós. Compreendes? Podes beijar e se deitar com homens, mas, segrede-os!


 

TUTANCAN

Isso é tão cruel! Apenas queria ser livre para me apaixonar quantas vezes quisesse. Se isso traz consequências ruins, me sacrifico; pela senhora!

 

ANTHIEPT

Lhe sou grata. Não veja isso como uma prisão. Um dia, serás o condutor de tua vida e poderás se apaixonar à vontade. Só veja o segredo como um escudo. A arma do grande estrategista que enxergo em ti. Ainda serás o “nub”. (seduz) És o que quer, não é?

 

Tensão. Nele confuso. ANTHIEPT com olhar obcecado. (Cont’d) Se for o que quer, o farei!

TUTANCAN

(pensativo)

E, Shenk? (T) Ele nasceu primeiro!

 

ANTHIEPT

Como avó, sei em meu coração que ele não está preparado. A sucessão nem sempre é a da ordem familiar. Posso e farei, de ti, o rei que todos deverão se curvar e lhe respeitar. Só siga tudo o que lhe instruir.

 

TUTANCAN pensativo. Suspense.

20. EXT/SALÃO SACERDOTAL/DESERTO/NOITE/DIA 

Embalsamento. Retomada da composição cênica descrita. ZAHRA vai à fonte e bebe água. Observa SHENK adentrar com semblante fechado. ANTHENOKEN preso em pensamentos. DESFOQUE revela NEMEWÁ a observá-lo com ódio. ZAHRA faz um movimento com a mão para SHENK. Ela assente coma cabeça. Ele olha para o pai imóvel nos seus pensamentos e vai até ela. Conversa sussurrada.

 

ZAHRA

Essa sua feição me preocupa!

 

SHENK

Tutancan fez de novo! Dessa vez, o flagrei em cima do servo estrangeiro.

 

ZAHRA

Se entreter com o estrangeiro é um favor; não confio nele. Deixe-o! Ainda é imaturo! Com o tempo, há de mudar.

(T) Não embata com o seu irmão, deve ser difícil para ele ser como é. Evite o conflito, Shenk. (T) Prometa-me?

 

SHENK

Fique tranquila! Eu amo o meu irmão e o protegerei. Não nego que ele usou a mim palavras que me deixaram triste. Eu quero o melhor para nós! Se ele quiser, abro mão do trono por ele.

 

ZAHRA

Deixe de bobagem! É cedo para isso. Nem seu pai foi rei ainda. Não os quero em guerra por isso, promete?

 

SHENK faz que sim com a cabeça e voltam ao lugar. ZOOM IN em ANTHENOKEN pensativo. 

FLASHBACK/DESERTO/DIA

Coloração diferente. Dois infanto-juvenis representam NEMEWÁ e ANTHENOKEN. Escravos empurram pedregulhos. ANOUNAK sobre a carruagem observa os jovens se combaterem com armas, como um treinamento. Dado o momento, ANTHENOKEN leva um corte no braço e distrai-se. NEMEWÁ o derruba e fica com a arma em cima dele. 

JUMP CUT:

Pessoas bebem água e sorriem. OMAR, mais jovem, está presente. Sentado ao lado de ANTHENOKEN, mais à frente, ANOUNAK sorri e abraça NEMEWÁ conversando carinhosamente.

 

FIM DO FLASHBACK

 

SALÃO SACERDOTAL/NOITE 

ANTENOKHEN pensativo. Sacerdotes injetam líquidos em ANOUNAK. Desfoque revela NEMEWÁ limpando as lágrimas.

21. EXT/JARDINS DO PALÁCIO/NOITE   

 

NEVERA pelo jardim quando avista TUTANCAN passar. O segue. O jovem caminha por entre plantas e esculturas. Ela se mantém distante e furtiva. TUTANCAN senta e admira as estrelas. Suspense.

 

NEVERA

(para si/ódio)

Um dia, tu e a rainha pagarão pelo crime contra a minha irmã.

 

Ao longe, MALIK apressado e furtivo. NEVERA se abaixa entre as plantas. MALIK furtivo em direção à TUTANCAN; olha repetidas para trás. Aproxima-se por trás de TUTANCAN sem ser visto e lhe pega com uma chave de braço e tampa a boca da vítima. O leva para trás de uma moita. Os dois deitado no chão. Ele destapa a boca de TUTANCAN e gesticula silêncio. Suspense. 

CORTA PARA O: 

=========================================================== P R Ó X I M O       C A P Í T U L O

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Minissérie de
JOÃO SANE MALAGUTTI

Elenco
ANNANOUK ANTHIEPT ANTHENOKEN NEMEWÁ NERFIRI NEVERA ZAHRA TUTANCAN SHENK SETNIAK OMAR MALIK
Tema MAKTUB Intérprete MARCOS VIANA

Direção
ANDERSON SILVA

Produção
BRUNO OLSEN


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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