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O Desbravador de Identidades: Capítulo 08

Novela de Carlos Mota
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O DESBRAVADOR DE IDENTIDADES - CAPÍTULO 08


_Não podemos atendê-lo sem um plano de saúde, as normas da instituição são bem claras – diz uma representante do hospital, bastante contrariada.

_ Precisamos de sua ajuda, o atendimento público mais próximo está a mais de uma hora daqui, se este homem não for atendido agora, virá a óbito. É nosso dever salvá-lo, senhora! – argumenta o motorista da ambulância, com a preocupação estampada à face. _ Ninguém merece morrer deste jeito!

_ Até entendo, mas a política desta empresa é clara, não recebemos pacientes que não apresentem condições de arcar com as despesas...

_Vocês estão negando socorro a uma vítima? É isso que estou     entendendo? –  Indigna-se o médico, achegando-se. _ Isso é crime! Em que país vocês moram?

_Com todo respeito, no mesmo que o seu. E o senhor, como ninguém mais, sabe como funcionam as regras de instituições particulares deste porte, ou pelo menos deveria. Não estamos negando atendimento, longe disso, mas não há como ofertar um leito a este paciente no momento.

_Por favor, ajudem meu filho! – implora a mulher, visivelmente esgotada, limpando as lágrimas com um pano surrado. _ Não o deixem morrer como um indigente. Assim como vocês, ele já salvou muitas vidas um dia.

_ Quero que a senhora entenda que não negamos ajuda...

_ E o que fazem então? – inquire, com firmeza, a enfermeira.

_ Nós cumprimos todas as determinações do Ministério da Saúde, mas...

_... porém, contudo, entretanto, todavia... quantas conjunções adversativas mais serão necessárias para que assuma que este hospital negligencia atendimento a um cidadão de origem humilde? - entrecorta-a o médico. _ Sejamos claros, você não quer recebê-lo e não irá, a não ser que tenha um mandado judicial, não é isso?

_ Eu não disse isso! – desvia-se da pergunta. _ A política do hospital é clara...

_Dane-se a política do hospital, fiz o juramento de Hipócrates e salvar vidas é o meu dever, então, se a senhora não o receber, chamaremos a polícia. Aliás, quer aqui a polícia ou a imprensa?

_O senhor está me coagindo, isso é crime e o denunciarei, se persistir nesta sandice – a mulher rebate a ameaça.

_ Sandice é o que fazem ao negar o direito mais básico que existe a um ser humano: o da vida.

As atenções se voltam para a discussão, não há quem não se apiede das condições do rapaz e se revolte com o descaso que diariamente acontece em muitas instituições como esta pelo país.

_ Vocês não vão mesmo recebê-lo? Ele está morrendo! Negam-lhe ajuda por não apresentar os recursos para custear o próprio tratamento? Cadê a política de solidariedade deste hospital? – cobra o médico. _ Formei-me para salvar vidas, ricas ou pobres, negras, brancas ou amarelas, moradoras dos Jardins ou da favela Pantanal... Formei-me para salvar vidas! – repete por duas ou três vezes. _E estou perdendo uma por conta das diretrizes hipócritas de um sistema insensível, que primeiro olha o bolso do paciente para só depois acolhê-lo.

_Palavras bonitas enobrecem um texto, mas não mudam a realidade... – desdenha a representante.

_ Você está zombando de todos nós? – pergunta com veemência a enfermeira.

Compadecido com a luta daquela equipe pela sobrevivência do paciente, Ricardo se aproxima. Demonstra repulsa à desfaçatez da mulher, cujas justificativas, baseadas em regulamentos próprios, violam todas as legislações que tratam do tema, expondo a crueldade que há neste meio.

_Imagine! Longe disso!

_ ENTÃO O QUE QUER DIZER? – exige o médico. _DEIXE DE TANTAS VOLTAS, VAMOS, ASSUMA, MEU PACIENTE NÃO SERÁ RECEBIDO POR NÃO PROVER DE RECURSOS NECESSÁRIOS NEM SER DETENTOR DE UM SOBRENOME DE DESTAQUE NA SOCIEDADE... NÃO É ISSO MESMO?

_Estou chamando a polícia! – anuncia o motorista, revoltado com a atitude da mulher.

_ Nem se quiséssemos poderíamos aceitá-lo, não temos vaga – muda de estratégia, na tentativa de desencorajá-los. _ Estamos com a capacidade física esgotada.

_ Ajude meu filho, dona! Ele vai morrer! Ele vai morrer! Por nosso senhor Jesus Cristo, ajude!!!  – suplica a mãe.

_ ATENDA-O!!! – grita a enfermeira.

O doente ensaia um ataque cardíaco, que, nas condições em que se encontra, poderia ser fatal.

_Acalmem-se, senhores – abaixa o tom da voz-, estão assustando os demais pacientes, não percebem?

_ E ELE ESTÁ MORRENDO – aponta para o homem -, NÃO PERCEBE? ENTRE ASSUSTAR SEUS “ILUSTRES PACIENTES” E SALVAR UMA VIDA, QUAL OPÇÃO LHE PARECE MAIS RAZOÁVEL? – contra-ataca o médico.

_Atenda-o! – determina Ricardo, observando o doente ao lado da maca, de costas para eles, inicialmente ignorado pelos envolvidos.

_ Vou chamar a polícia! Não terá jeito! – o motorista saca-se do celular. _ Muita gente aqui dormirá hoje no xadrez.

_ Meu Deus! Já lhes expliquei, o hospital tem normas... - tenta a representante, uma vez mais, persuadi-los.

_ ATENDA-O, JÁ! QUAL PARTE NÃO ENTENDEU DO QUE EU DISSE? - cobra Ricardo, visivelmente inconformado, ao voltar-se para a representante. _ ATENDA-O, JÁ!

_ Senhor, não se envolva! – repreende a mulher, sem atentar-se às origens do rapaz.

 _E A SENHORA FAÇA O QUE ESTOU MANDANDO! – seus olhos crescem à medida que os dela o desprezam.

 _ E quem é o senhor para mandar em alguma coisa? – corre os olhos por ele. _ Eu o respeito e quero que entenda, nas condições apresentadas, não podemos recebê-lo, além de não haver mais disponibilidade de leito.

 _ Quanta hipocrisia! Atenda-o, já! É surda ou simplesmente fantoche de circo?

Marcos achega-se sem ser notado, acompanha todo o desaguisado, mas ao encontrar o doente, leva a mão à boca para segurar o grito. Fora de si, dá dois ou três passos para trás e se esconde numa sala ao lado; estava sem fôlego, com os olhos injetados de pavor e a mente devastada por pensamentos sombrios.

_ É...É...É... E-E-E-ELE!!! MAS... MAS... MAS COMO?  COMO? E-E-EU ME-ME-MESMO O MATEI!!! SE BEM QUE... – coça a cabeça com os olhos descrentes- VIVO, VIVO NÃO TÁ, ATÉ PARECE UMA MÚMIA SAINDO DA TUMBA.

_ O senhor me respeite ou chamarei a segurança! Quem pensa que é para me tratar assim?

_ Pois chame, será um prazer vê-la sair daqui não em um carro de polícia, mas a pontapés, porque é o que acontecerá se não o atender agora- desafia Ricardo.

O motorista, a enfermeira e o médico ficam inertes diante da postura imponente do rapaz.

_ Pontapés?! – ironiza a mulher. _ Quanta pretensão! Quem o senhor pensa que é? Por acaso alguém da família Médici, Marcondes, Matarazzo...? Hum! Coitado!

_ Exatamente!- confirma o rapaz para o desespero dela, em cuja face desaparece o sorriso de sarcasmo.

_ O SE-SE-SE-NHOR É UM...UM...                    

_... MÉDICI!- completa. _ Ricardo Médici, para ser mais exato.

_Você é parente da doutora Márcia Médici? – pergunta o médico, surpreso.

_É minha tia!

_Pois ela é uma grande profissional, assisto a todas as entrevistas e palestras que ela ministra. Uma mulher muito talentosa, de admirável reputação na área da medicina psiquiátrica de nossa cidade.

_Ele é sobrinho de Márcia Médici? – pergunta-se a representante, consternada, alterando a postura, que agora se mostra afável e respeitosa._ Que prazer recebê-lo em nosso hospital!

_Para mim não é prazer nenhum; ninguém gosta de estar num lugar desses, a não ser você, que a julgar pelo que vi, não deveria estar no cargo que ocupa.

_Senhor, me perdoe...eu...

_Faça já o que mandei! – entrecorta-a, com ar de grandeza.

_Claro! Claro! Pessoal – chama pelos assistentes aos berros-, corra, leve o homem! Ele corre risco de morte. Vamos!

_Mas não há leito, lembra-se? – zomba o médico.

_Ah...sim...mas daremos um jeito, ele precisa de ajuda e, neste hospital, o lema “Servir bem para servir sempre” é levado à risca – responde a mulher,  retirando-se rapidamente de cena.

_Parabéns pelo gesto! Pessoas como o senhor engradecem o mundo! – diz a equipe médica, despedindo-se.

_Meu rapaz, muito obrigado, mas não temos como lhe pagar, moramos num cortiço e vivemos da esmola mensal do governo! – diz a mãe, limpando as lágrimas nos cantos do vestido de chita. _ Ele só foi aceito porque o senhor pediu, mas logo será expulso, assim como qualquer outro pobre que necessite de auxílio médico particular neste país. Sabe, por um momento a gente deixa de ser de carne e osso e representa apenas um número qualquer, perdido na imensidão, sem direito ao mínimo para sobreviver. Estou envergonhada de lhe dizer estas coisas, mas às vezes penso que morrer seria melhor, invisível a gente já é. Se retirados do mundo, ninguém perceberia.

Ricardo se comove.

_ Não se preocupe! Assumirei todas as custas enquanto ele estiver aqui.

_ E por que faria isso?

_ Apenas faço... - ele não consegue explicar.

_ Meu Jesus, que homem bom! – beija-lhe as mãos em gratidão.

Ia se ajoelhando, quando o rapaz a segura pelos ombros.

_Senhora, o que está fazendo? Não precisa disso!

_Deus seja louvado! Que homem bom! – diz a mulher, abraçando-o em lágrimas de dor. _Deus há de lhe devolver em dobro todo o bem que agora faz ao meu filho. Nunca me esquecerei do senhor. Nunca!

Compadecido daquela criatura, ele nada responde. É como se um broto de bondade arrebentasse o terreno árido de seu coração e ganhasse a força de um tronco, com galhos robustos e folhas vívidas. É um Ricardo muito diferente daquele que destratou o nordestino José.

_Pelo que vi, ele pagará todo o tratamento daquele bicho! Seu Ricardo está louco! – comenta Marcos, à espreita, após ouvir a conversa. _ Ele não pode! Não pode! Como posso impedir isso? Já sei! – pega o celular. _ Jacira, você não vai acreditar.

_O que cê qué, Fifi dos infernos? Não me vai dizer que tem outra bomba pra me passar.

_Pois desta vez é uma bomba mesmo. E nuclear!

_ Oxi! O que aconteceu? Solte o verbo! Está me deixando nervosa!

_ELE ESTÁ VIVO! VIVINHO DA SILVA!

_Ele quem? Oxi!!! Fale devagar, não estou entendendo nada. QUEM??? – assusta-se. _ NÃO É POSSÍVEL!!! - o telefone cai de sua mão assim que a notícia é confirmada. _Não pode ser! Santo Deus! Que sina o desta família!

Apalpa o peito com força.

_Daqui a pouco quem terá um piripaque serei eu! Não acredito! Depois de tanto sofrimento! Não acredito! – diz, cobrindo o rosto com as mãos.

_Nem eu, Jacira! – responde Nathalia, após saber da existência do rapaz.

_Seu Leonardo, uma fruta? Frutinha mesmo? O mundo está perdido! E como a senhora descobriu?

_Recebi um telefonema anônimo.

_E a senhora acredita em telefonema anônimo? Deve ser algum desses invejosos de plantão, sabe como é, vocês são cortejados pelas principais famílias da cidade.

_Não! A pessoa que ligou me deu todos os detalhes, que terminei por confirmar.

_Seja mais clara, dona Nathalia! Sou burra de pai e mãe e não consigo acompanhar o seu raciocínio de gente rica.

_Lembra-se do dia em que Leonardo viajara a Bauru, no interior do Estado, para tratar de assuntos do trabalho? Pois era mentira!

_É mesmo, Suzicreide??? – empina a cabeça, pondo a mão na cintura. _ Pois diga mais, sô todo ouvidos. Como a senhora descobriu?

_ Liguei no hotel em que disse ter ficado; não houve nenhuma reserva em seu nome.

_Mas... mas, dona Nathalia, até aí não vejo nada de mais, ele pode ter ficado em outro lugar.

_ E ficou, mas não em Bauru.

_Oxi! Como assim, dona?

_ Em Ribeirão Preto.

_ E como descobriu?

_ Pela fatura do cartão de crédito. Lá constava uma reserva nesta data. Então liguei para o hotel. De início me negaram a informação, alegando sigilo. Persuadi, dizendo que eu era a esposa dele e que ele havia sumido; temia um acidente ou algo do tipo. Caíram! Confirmaram a hospedagem e o nome do acompanhante, um jovem dez anos mais novo que ele, que se passara por “um amigo”.

_Dona Nathalia, mas o que tem isso? Talvez fosse mesmo um amigo...

_E desde quando Leonardo dividiria o quarto com alguém? Sabe muito bem como ele adora exclusividade.

_E se não tivessem mais quartos disponíveis?

_Ele compraria o hotel. Do jeito como é, nunca se sujeitaria a isso, mesmo que a situação o obrigasse.

_Acho que está exagerando.

_Pode até ser, por isso, preciso de sua ajuda.

_Minha? Oxi! Não entendo nada desta história de homem com homem, até tenho umas curiosidades, mais saber a fundo, não sei não.

_A pessoa que me passou a informação deu-me um endereço de onde eles sempre se encontram aqui em São Paulo.

_Sangue de Jesus tem poder!

_E agora iremos até lá!

_A senhora irá flagrá-lo com a boca na botija? Sei não, Suzicreide! Esta história não vai prestar.

_É a única maneira que tenho para deitar a cabeça na cama e voltar a dormir em paz. Ajude-me, querida Jacira! Estou sozinha! – começa a chorar. – Já se sentiu vazia alguma vez? Pois é assim que me sinto! De um vazio imenso que está a me consumir. Não aguento mais, preciso pôr um fim em tudo isso. E só tenho você! Só!

_ E o menino Ricardo? O que faremos com ele?

_Pegue-o enquanto preparo o carro.

_A senhora não está pensando em entrar em algum arranca-rabo, como nas novelas, né, dona Nathalia? Imagine a gente nas capas das revistas ou na boca do Cid Moreira1? Nem o cabelo fiz! E as unhas então? O esmalte está todo quebrado. Seria uma vergonha!

_Pare de brincadeiras! – adverte-a._ A coisa é séria!

_ A senhora me desculpe, se for para aparecer na imprensa, que seja elegante como a Maitê Proença. Aliás, pensando bem, não seria melhor a senhora ir com sua irmã? Vai que tem uma crise de nervos, ela poderia lhe dar logo de cara um sossega leão.

_Não! Márcia comemoraria o feito, ela sempre me alertou de que Leonardo não era o que sempre demonstrou.

_A senhora falou de telefonema anônimo, não foi?

_Sei do que está pensando...ela não seria capaz!

_Será? Aquela bicha é muito mascarada, sei não!  A senhora me desculpe, sei que é sua irmã, mas não vou com a cara dela; se acha demais naqueles saltos de “origem italiana”. Parece uma tripa escorrida numa perna-de-pau – gargalha, desculpando-se em seguida, ao perceber que a mulher não havia apreciado o comentário. _Saiu sem querer! Bem, vou buscar o moleque, enquanto a senhora liga o “poisé”.

Decidida, a mulher junto ao filho e à empregada atravessam a cidade, que a esta hora, prepara-se para dormir. Nada a impediria de descobrir se o marido era mesmo um adúltero e logo com alguém do mesmo sexo. Corria sem parar nos sinaleiros, para o desespero da empregada, que no banco de trás, trazia a criança ao colo.

_ Suzicreide do céu! A senhora quer catar o marido pulando a cerca ou está preparando o nosso enterro?

Ela não responde.

_Vá mais devagar, o moleque vai acordar e daí o seu plano irá por terra, porque, do jeito como ele é curioso, assim que ver o pai, gritará por ele e a senhora poderá ser desmascarada.

Atende ao pedido da empregada.

Chegam ao destino.

_Eita, que lugar chique, Suzicreide!- diz, admirada. _ Com todo respeito, acho que vô se amante do seu marido também, vai que ele me traz pra cá, porque a senhora sabe, pobre só conhece Brasilândia, Tremembé, Jardim Ângela, Capão Redondo e olhe lá... Hum! Mas, me diga, dona Nathalia, onde estamos?

_ Em Higienópolis, uma das regiões mais nobres e altas de São Paulo, também conhecida como espigão da paulista. Mas não estamos aqui para falar disso, quero flagrar aquele infeliz me traindo.

_Tem o endereço de onde estejam?

_Claro – afirma, parando ao lado de um edifício.

_É aqui? São muitos apartamentos.

_Sim! Fique onde está! – determina, descendo do carro.

_Mas o que vai fazer, dona Nathalia? Ei, ei, espere, pode ser perigoso.

_O senhor pode me ajudar? – pergunta a mulher ao porteiro, um senhor de  sessenta e poucos anos, com um longo bigode, num distinto uniforme em que era possível ler o nome do lugar.

_Pode falar! O que a senhora deseja?

_Estou procurando um apartamento para comprar.

_ A esta hora? – estranha.

_E tem hora para comprar um novo imóvel? – dá uma risadinha sem graça.

_Não! Mas o comum é que isso ocorra durante o dia – responde, ressabiado._ Olhe, espere um minuto, vou pegar um copo d’água.

Nathalia se retira assim que o homem atravessa uma porta; tinha certeza de que ele estava indo chamar a polícia, sinal de que sua abordagem havia mesmo sido de um amadorismo inacreditável.

_Que droga!!! – berra, entrando no carro.

_Mas o que foi? Conseguiu pegar o infeliz na hora do vamo vê? E como é que é? – fica sem graça ao cair em si _Hum! Desculpe! Falei de mais!

_Abaixe! Abaixe, Jacira!

_É da polícia? Eu não fiz nada! Sou inocente, Suzicreide!

_Cale a boca! – pede, enquanto o porteiro, à calçada, corria os olhos para ver se a encontrava. _ Ufa! Ele já foi. Quase me pegou.

_ Estava com medo de quê? Aff!

Ela não responde.

As horas passam. E às três e meia da manhã, Leonardo aparece ao lado de seu amigo. Um jovem louro, alto, com olhos da cor do mel, lábios bem-feitos, cútis invejável, porte atlético de causar suspiro em qualquer criatura... Um deus! 

_Aquele é o homem dele? Oxi! É lindo demais! Quisera eu estar no lugar dele, porque só pego pangaré! Desculpa aí, dona Nathalia, mas minha língua não tem freio.

_Cuidado para não ficar sem ela – ameaça a mulher, sentindo-se  diminuída. _ Realmente, ele despertaria a ira de Narciso2.

_ Tem outro na jogada? Aff! Seu Leonardo é um “leão”, hein, Suzicreide? – comenta, não acompanhando o comentário da patroa._ Que vigor!

_E assim como Narciso, toda criatura possui sua Nêmesise esta história não seria diferente.

_ Nême...o quê? Não entendi nada! Aff! A senhora diz cada coisa difícil, meu primário não acompanha, Suzicreide!

_Veja, eles deram as mãos... Não acredito! – grita, acordando Ricardo, que

chora assustado, atraindo a atenção do homem, que estaca a poucos metros, surpreso, ao reconhecer a placa do veículo.

Ela desce do carro e se aproxima; quando seus olhos, flamejando de cólera,

encontram-se aos dele, dispara:

_Então era verdade, Leonardo? Como pôde fazer isso comigo? Como? Sou sua esposa e a mãe de seu filho. Fale!

_ Falar o quê? – pergunta Jacira, resgatando-se das lembranças. _ O que ele poderia dizer diante do flagrante? Nada! Mas hoje salvar o moleque das mãos daquela peste é o meu dever e isso farei. Pois vô me arrumar, quero vê esse sujeito diante desses olhos que a terra há de comer... E ai dele se me levantar um dedo...A coisa não vai prestar!

_Jacira...Jacira, cadê você, mulher? Por que não fala nada? – Marcos desliga, depois de muita insistência. _ Que mulher doida, não deu tempo nem de falar que o bicho está igual a uma caveira de tão seco. Será que ela passou mal? Só falta essa! Quem lavará minhas cuecas agora?

_Marcos, onde você estava? – pergunta o jovem Médici ao se aproximar.

_Aqui, senhor! Aqui! Eu... bem... quer dizer... vou direto ao assunto,  por que ajudou aquele sujeito? Vi tudo!

_Você estava aqui?

_Não, sim, não... quer dizer, eu estava chegando – atrapalha-se todo.

_Não sei! Tive pena!

_O SENHOR???- dá um sorriso amarelo. _ Mais fácil Jesus voltar à Terra!

_ O que disse? Repita!

_ EU? NADA! - tenta se corrigir. _Fico feliz que tenha feito isso, porque quem ajuda aos pobres, empresta a Deus.

_ Isso nada tem a ver com bondade; senti que deveria fazer, não me pergunte o motivo.

_E como está seu Leonardo?

_Está melhor! O médico não soube explicar o que houve hoje à tarde. Ele estava estável, de repente foi parar na U.T.I. Por pouco não o perco! Bem, talvez seja isso que me motivou a ajudar aquele homem... Depois que vi a mãe dele naquele estado, me coloquei no lugar, o resto você já sabe! Acho que tudo isso mexeu comigo.

_Verdade!!! Verdade!!! – confirma o chofer, em meio a outras ironias. _ E como mexeu!!! Queria que se colocasse no lugar do meu salário!!!

_Continue com suas gracinhas que o olho da rua será o seu destino, até porque, ainda não lhe perdoei de todo. Só você para quebrar um vaso em minhas costas, a sorte é que era fino, senão...

_Desculpe, senhor! Desculpe! A situação exigiu uma reação rápida, então... – diz, enquanto o jovem se afasta. _Mal ele sabe que foi aquele infeliz quem desgraçou sua família. Que ironia do destino! Se alguém um dia me dissesse que o jovem Médici salvaria o ex-amante de seu pai, eu jamais acreditaria.

_Alô! Sim! É Ricardo. Quem é? Tudo bem, Benício? Não, também não a vi; aliás, estou atrás dela desde o início da noite – diz ao irmão de Anna, que está à procura dela. _ Liguei diversas vezes também, mandei mensagens e até agora ela não me respondeu. Se eu souber de algo, aviso sim! Fique tranquilo – desliga.

Ao se aproximar da janela do corredor, avista, ao longe, a bela São Paulo repousando sob os mantos finos ora trapos traiçoeiros da dama da noite.

_Onde será que aquela louca se meteu? Decerto, está tramando alguma, se não, como explicar este estranho sumiço? Hum! E tudo por culpa daquele ser dos infernos! – recorda-se do Desbravador. _ Mas ele me paga! Ei de descobrir quem ele é e saberá do que sou capaz para limpar minha honra. Ele não perde por esperar, seus dias estão contados!

Encerra com a música: (Candle in the Wind - Elton John)

_____

1 Alcides Alves Moreira,  profissionalmente conhecido como  Cid Moreira , é jornalista, locutor e apresentador brasileiro em atividade desde 1947. É famoso por sua voz grave e singular, a qual impõe a sensação de um eco aos espectadores,  e por apresentar entre 1969 e 1996 o Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, sendo um recordista como o  âncora que mais tempo esteve à frente de um mesmo telejornal.

 2 Narciso era filho do deus do rio Cefiso e da ninfa Liríope. Considerado um jovem de extrema beleza, mas por outro lado também de arrogância. Na mitologia grega vários personagens são rejeitados por Narciso, fatos que acabaram atraindo sobre ele uma maldição.

 3 Nêmesis é a deusa da vingança divina. Em desaprovação à arrogância de Narciso, fez com que ele se apaixonasse pelo próprio reflexo que vira nas águas de um lago. 



autor
Carlos Mota

elenco
Ricardo Tozzi como Ricardo Médici
Carmo Dalla Vecchia como Leonardo Médici
Guilhermina Guinle como Nathalia Médici
Solange Couto como Jacira
Charlize Theron como Márcia Médici
Vladimir Brichta como Marcos
Camila Queiroz como Anna Ferrara
Sílvia Pfeifer como Lícia Ferrara
Gabriel Braga Nunes como Giacomo Ferrara
Matheus Costa como Benício Ferrara
Christyano Augusto como Gabriel 
Cissa Guimarães como Mãe do Gabriel
Cacá Amaral como Jarbas
Tonico Pereira como Jardineiro Luís

1ª Fase:
Fiuk como Ricardo Médici

trilha sonora
Bring Me To Life - Evanescence (abertura)
Candle in the Wind - Elton John

com ilustrações de
Andrea Mota
Daniel Ubirajara


produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO


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