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Flor-de-Cera: Capítulo 14

Novela de Carlos Mota
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FLOR-DE-CERA - CAPÍTULO 14


– Espere aí, explique-me uma coisa, doutor Jaime – pede Paineiras –, de onde esse pobretão tirou dinheiro para contratá-lo? Que eu saiba, ele não tem onde cair morto! Deve ter cometido outro crime! Fique esperto, Roberto – volta-se para a outra autoridade –, esse documento deve ser falso ou...
– ...Como dizem, a fama faz a pessoa, não é, delegado? – provoca o defensor.
– O que quer dizer com isso?
– Nada, delegado! Nada!
– O senhor está querendo nos levar na conversa. Pois fale, como ele o contratara? Fale!
– Deixe que eu o responda, Jaime! – diz Catharine Dumont, iluminando o local com sua graça.
– DO-DONA CATHA-THA-THA-RINE DUMONT??? – Paineiras se engasga com a saliva.


O anfiteatro da sede do partido de centro-direita está repleto de filiados, há representantes de todos os setores da sociedade local e a curiosidade sobre o tema da reunião extraordinária é perceptível. Em pé, com um microfone sem fio às mãos, Alberto se prepara para abrir evento.

– Obrigado por atenderem ao meu chamado, garanto, a vinda dos senhores aqui era mesmo necessária! Sei que daqui a alguns dias acontecerá a Convenção oficial do Partido e que a escolha do nosso candidato à prefeitura de Vila dos Princípios coincidiria com as pretensões de Giacomo Benatti, ilustríssimo dirigente da Associação dos produtores de soja da região, que não se faz presente, devido a uma viagem dele e de sua família à Itália; no entanto, acredito que essa não seja a opção mais apropriada para a ocasião.

– Como assim? – indigna-se alguém na plateia. – Acredita que Giacomo não derrotará o vereador George Dumont nas urnas? Balela! Ele é um dos nossos melhores quadros, como pode dizer tal infâmia?

– Não tenho dúvida de que ele seja mesmo um ícone da história do partido, talvez até mesmo um divisor de águas; mas lhe falta algo para convencer o povo a elegê-lo.

– E o que seria? DINHEIRO? Pois não falta mais! Injetarei o quanto for preciso para que ele derrube Tanaka e sua trupe ordinária – anuncia uma cinquentona, em um belíssimo vestido cinza com decote em V, enquanto retira da bolsa um talão de cheques. – Fale, quanto é?

– Senhores, senhores, vamos acalmar os ânimos! A ira não nos levará a lugar algum, a não ser à derrota! – pede Ricardo. – O que o doutor Alberto está querendo dizer é que o senhor Giacomo, apesar de grande empresário, não tem o mesmo carisma que o vereador George Dumont, muito menos o legado de seu sobrenome. Esqueceram-se de que nossa cidade nasceu de uma atitude isolada, para não dizer desacreditada, de Dilermando Dumont?

– Exatamente! – concorda Alberto. – Há quantos anos tentamos abocanhar o poder de Vila dos Princípios? Respondam-me! Para lhes reavivar a memória, foram mais de cinco campanhas nos últimos vinte e cinco anos, todas terminadas em naufrágios e gozações por parte de nossos oponentes. A verdade é que o Partido Redentor de Vila dos Princípios, aqui representado por todos nós, jamais atingiu seus objetivos, porque, apesar dos bons nomes e de propostas inovadoras às áreas consideradas essenciais como Saúde e Educação, faltou-lhe carisma e o apoio da plebe. Isso significa que nunca conseguimos conversar com o povo de igual para igual, porque somos de uma elite conservadora.

– E o que quer? Que destituamos o senhor Giacomo do posto de candidato oficial do partido à prefeitura? Está louco? – inquire, com veemência, um idoso, elevando a bengala à altura dos olhos. – Confesse, doutor!

– Posto este ainda não ratificado pela Convenção – declara Ricardo, ou seja, oficialmente não temos candidato ainda.

– Exatamente! – confirma o doutor. – Por isso proponho que o senhor Giacomo decline de suas intenções ao cargo de prefeito, de imediato, por mais louváveis que elas sejam!

Gritos de descontentamento implodem o lugar.

– Como o senhor, doutor Alberto, pode nos representar se é contra o próprio partido que o mantém há décadas? Isso é um crime! – revolta-se a mulher, com o talão de cheques a lhe abanar a face.

– Não é nada disso, senhores! – interfere outra vez Ricardo. – Nosso partido mergulhará no ostracismo se não alcançar os objetivos na próxima eleição.

– E por isso devemos perder nossa identidade, caro assessor? – interroga o idoso.

– Não, senhor Lúcio; pelo contrário, devemos reforçar as bases partidárias para que nossa identidade seja preservada.

– Então não estou entendendo mais nada! Explique-se! – exige a mulher.

– Conhecemos a coragem profissional do senhor Giacomo e sua fascinante capacidade de antever as tendências, entretanto, no momento, ele não é o candidato ideal às eleições de outubro.

– Está se contradizendo, doutor Alberto! – reforça o veterano.

– Se ele tem toda essa habilidade de que diz, o carisma é o de menos, afinal, tudo se compra nessa vida, basta abrir os bolsos.

– Com todo respeito, doutor Lúcio, mas o senhor está equivocado. O povo já não é mais aquela massa morta, sem face, incapaz de escrever a própria história. O povo de hoje é crítico, conhece seus direitos e deveres, e sabe entoá-los com veemência, quando se faz necessário, ou os senhores não souberam do que aconteceu hoje de manhã, em frente prefeitura, com o prefeito Tanaka Santuku?

O silêncio indica o desconhecimento do fato anunciado.

– Pois discordo! O povo só existe para votar! – profere a mulher, cheia de sarcasmo, antes que o doutor esclarecesse o episódio envolvendo a autoridade local. – Veja o meu motorista, quem seria capaz de levá-lo a sério se sua pele é negra e o seu suor fétido como a carniça? Só idealistas como o senhor e olhe lá!

Todos riem.

– E desde quando a senhora é a versão feminina do prefeito Tanaka Santuku? – contra-ataca.

A mulher, envergonhada, se cala.

– Suas palavras são de um horror sem precedência, para não dizerem criminosas! E do modo como falou, daqui a pouco, sem qualquer conexão com a realidade, proporá a volta do tronco e do chicote à praça pública – inconforma-se o homem.

– É por isso que nosso partido estará sempre à sombra de seu oponente, porque pessoas como a senhora disseminam o preconceito social e de raça... Falas como essas encorajam o povo a eleger bandidos como Tanaka Santuku, não percebe? Infelizmente, estamos condenados ao fracasso! Dou a reunião por encerrada... – entrega o microfone a Ricardo.

– Ei, espere, doutor Alberto. Não pode ter nos trazido aqui para desmerecer-nos apenas... O que quer nos dizer? Tem alguma proposta melhor a fazer? Ele é nosso líder! – o homem volta-se para os demais – e devemos respeitá-lo, ainda que não concordemos com suas ideias. Alguém é contra ouvi-lo?

Ninguém se pronuncia.

Alberto olha para Ricardo, recupera o fôlego, limpa a face suarenta com um lenço de pano e expõe o motivo da reunião.

– Hoje fiquei encantado com a perspicácia de um dos moradores do Bairro das Flores. Que vernáculo, que atitudes, que coragem... Sem medo de incorrer ao erro, suas qualidades lembram-me um estadista, daqueles que não se vê mais por aí.

– Viu o que dá se misturar com pobre? – debocha o idoso, apoiando-se à bengala. – Fica desse jeito... ABILOLADO!

– Silêncio, doutor Lúcio! – pede um participante. 

– Seu nome é Zé dos Cobres e sua origem é a pobreza; em frente à prefeitura, liderando uma massa de sofredores, ele voou para cima de Tanaka e o trucidou com as palavras; parecia até uma fera descontrolada... Só parecia, porque no fundo sabia o que estava fazendo. O inconformismo o transformou no defensor nato daquela gente!

– E daí...? Continue! – pleiteia a mulher, menos arrogante, envolvendo-se com a história.

– Ele perdera a mulher e o único filho que ela gerava no desmoronamento de uma encosta; sua família, sua casa e seus únicos pertences foram engolidos pela terra, assim como o seu ferro velho, de onde se originara o apelido “dos Cobres”. Tinha tudo para dar um tiro na cabeça ou se enterrar na depressão; mas preferiu seguir outro caminho, o de defender as famílias principienses também afetadas pela tragédia.

– Ele é o líder da plebe! – completa Ricardo. – E é amado como tal. Precisam ver quantas pessoas compareceram ao enterro de sua esposa. Foram milhares!

– Onde os senhores querem chegar com tudo isso? – indaga a cinquentona. – Que o escolhamos para nos representar só porque se comunica bem com a ralé?

– Isso mesmo! – confirma o doutor. – Quem seria capaz de vencer o vereador George Dumont se não alguém que o povo admira e eleva à condição de um semideus?

– Ele acha que aqui é a pequena Tangará de O Salvador da Pátria¹, e o tal Zé, o Sassá Mutema, do Lima Duarte! – provoca Lúcio. – Voto pela sua expulsão do partido!

– “Os velhos se comprazem em dar bons conselhos quando já não podem dar maus exemplos” – rebate o líder, com extremo sarcasmo.

– O que você quer dizer com isso, seu...seu...? – exige o idoso, desconcertado.

– Pergunte a Rochefoucauld², o autor da frase .

– Pois eu concordo com o doutor Alberto – diz um dos maiores fabricantes de guloseimas à base de soja da região. – Acho que nossa imagem elitista já não tem mais espaço no cenário atual; talvez um homem do povo consiga o que almejamos há anos. Não custa tentar! O que acontecerá se perdermos outra vez? Como sempre, cobriremos as dívidas do partido e recomeçaremos do zero. Quem está comigo, que levante a mão! 

A maioria o faz, para a felicidade de Alberto e Ricardo, e o desespero do velho ranzinza.

– Isso é uma facada nas costas do senhor Giacomo. Deveríamos esperá-lo antes de tomar qualquer decisão! – resmunga Lúcio.

– Não temos esse tempo, doutor! Deveremos enviar o nome do escolhido ao TRE na próxima semana e, que eu saiba, Giacomo retornará ao país apenas no mês que vem.

– E quem nos garante que esse boçal vencerá? Não estamos atirando no escuro? – observa a mulher.

– Sim! Dona Desirê! Sim! A única garantia que lhes dou é que se o Zé topar...

– Então ele ainda não foi consultado? – interrompe Lúcio. – Como quer que aprovemos essa sandice?

– Fique quieto! – ordena a mulher, agora com outra postura. – Devemos dar uma chance ao doutor Alberto, no fundo, ele tem razão.

– Obrigado pelo apoio!

– Pois eu não faço isso por você, Alberto, mas pelo partido, que se desintegrará no caso de uma outra derrota. Mas escute bem, isso não quer dizer que suas responsabilidades morram aqui; pelo contrário, crescerão muito! Afinal, o senhor terá de doutrinar esse tal Zé dos Cobres, assim como o PT fez com o Lula...

– ...ou o Lula fez com o PT! – corrige o ancião.

– QUE SEJA! – ralha, guardando o talão de cheques na bolsa de couro.

– Venceremos essas eleições, tenho certeza! – afirma Alberto, para o espanto de Ricardo, que não compreende de onde vem tanto otimismo. – Nem o brasão nem a honra da família Dumont serão páreos para o carisma do Zé. Acredito nisso!

– Tens o cheque em branco nas mãos! Faça o que tem de fazer...

Convença o vermezinho da carreira política! – determina Lúcio, dando uma trégua, ao perceber o isolamento.

– Eita! Quem será que chegou? – pergunta Tanaka, da janela do quarto de George, ao avistar os repórteres se comprimindo para tirar uma foto. – Deve ser gente grã-fina!

– É óbvio! Que pobre teria dois mil para bancar a diária de um leito como esse? – desdenha George. – A não ser que fosse parente do Fernandinho Beira-Mar.

– Sei lá, por um momento achei que fosse o... o...

– ...o Joaquim? Que tolice! De onde aquele infeliz extrairia tal quantia? Está confundindo o xilindró com o cofre de um banco? Só você mesmo para me fazer rir. Aliás, ele está morto ou não está?

– Está..! – confidencia consigo mesmo, tomando outro gole.

– Como consegue beber o dia todo? Credo! Ainda morrerá de cirrose!

– E quem está bebendo, meu filho? Tô só molhando a goela.

– Que “goelão”! – ri.

– Pois saiba, quem tem goelão aqui é...

O rangido da porta se abrindo interrompe a conversa.

– Doutor Paineiras? O que faz aqui? – cobra o prefeito, com os olhos arregalados. – Aconteceu alguma coisa?

O delegado fecha a porta, junta as mãos como se fizesse uma reza e dispara:

– A coisa fedeu!

– Desembucha, Paineiras! O que houve? Por que está aqui? Só me falta dizer que... que... não é possível! Foi o motoristazinho que chegou ao hospital, não foi?

– Não pode ser! – surpreende-se George, pulando da cama. – E desde quando alma penada volta do inferno?

– É que... – titubeia a autoridade.

– Fale de uma vez, antes que eu o faça engolir essa garrafa – ameaça o prefeito.

– O doutor Rubens o trouxe à vida... Não sei como, mas ele conseguiu.

– O senhor é mesmo um incompetente! Sabe o que eu deveria fazer agora? Mandar aquele DVD para o Secretário da Segurança! Hum! Ô bicho burro, só serve mesmo para “admirar” menininhas e olhe lá...

– Explique-se! – cobra George.

– Não tem o que explicar, o motorista voltou à vida e agora recebe os cuidados necessários. Não tenho culpa – defende-se, Zelão me garantiu que ele havia partido dessa para uma pior.

– Cale a boca, INFELIZ DOS INFERNOS, antes que eu lhe quebre os dentes.

– Pois venha, prefeito! – o delegado compra a briga. – Estou cheio de suas ameaças. Venha!

– E ainda tem a audácia de me desafiar! – ironiza. – Basta um estalar de dedos para que padeça para sempre atrás das grades. É mesmo digno de dó!

– Quem é digno de dó? – rebate Paineiras, à beira do descontrole.

– O senhor! – completa Tanaka, apontando-lhe uma arma retirada da cintura. – E quem mais seria?

O delegado se retrai.

– Acalme-se, Tanaka! Acalme-se! – pede o vereador, assustado, tentando controlar a situação. – Quer estragar tudo?

– Tô doido por sangue – rilha. – Venha, cabra! Vou lhe estourar os miolos com gosto.

– Quem estragou tudo foi sua esposa, vereador – revela o delegado, tentando se safar.

– CATHARINE? – atordoa-se. – Como assim? O que ela fez?

– Você tá é querendo fugir da raia, seu covarde – diz o prefeito. – Sabe quanto me custou lavar as mãos dos diretores daqueles hospitais? E da Central de Vagas então? Foram milhares de reais desviados dos cofres da prefeitura, aliás, das obras de contenção das encostas e do novo posto de saúde, e tudo para quê? Para acabar dessa forma! Com o infeliz vivo! Pois isso não vai ficar assim, irei para a cadeia, mas levarei seu bucho junto... – os olhos dele cintilam de ira.

– Abaixe essa arma, Tanaka! – repreende o vereador. – Não está vendo que ele tem muito a nos contar?

– Hum! Tá certo! – diz, recolhendo a arma ao cinturão.

– Fale! O que de fato aconteceu?

– Eu não disse que deveríamos apagar primeiro aquele doutorzinho? Ele é o grande vilão dessa história, fez às vezes de bom samaritano e o salvou da morte. Deve ter algum pacto com o diabo, só pode, porque eu mesmo vi quando o tal havia batido as botas.

– E onde entra Catharine nessa história?

– Pois foi ela quem ordenou ao doutor Jaime que conseguisse o habeas corpus.

– Habeas corpus? – desacredita. – Catharine fez isso?

– Sim! E agora o bicho desfruta novamente da liberdade, porque para o doutor Jaime não há portas fechadas; ele entra, faz o fuzuê todo e consegue tudo o que quer. Quando o vi na delegacia, quase infartei! E ainda não acabei...

– Pois diga tudo!– ordena George, esmurrando as palmas da mão.

– Ele foi trazido para esse hospital, com todas as despesas também custeadas por sua ela, acredita?

– DESGRAÇA!!!!!!!! – vocifera. – AQUELA INFELIZ ME PAGA! Onde ela está agora? Aqui no hospital?

– Que eu saiba, ela foi para a mansão – responde.

– Imagine quando a imprensa souber... Hum! Será um escândalo! Até imagino a manchete: “Mulher de vereador baleado custeia despesas do suposto homicida”. Isso vai parar no Fantástico! – prenuncia o prefeito.

– E quem revogou o encarceramento? Você não disse que havia conversado com todos os juízes, Tanaka?

– Não só conversei como lavei a mão de todos eles! E não foi pouco! Mas aquela cambada é pior que chupim, esfola sem dó, e nunca está contente.

– É, mas não foi o suficiente para que o mantivessem atrás das grades.

– Pois quero saber quem foi o safado que o libertou...

– E para quê, Tanaka? O que isso mudará?

– Vou denunciá-lo ao Tribunal Regional...

– E dirá o quê? Que ele não cumpriu com sua parte no acordo obscuro? – desdenha. – Acho que o saquê está lhe afetando os miolos.

– Olhe o respeito! De meu saquê ninguém fala, pois o último que dele falou...

– Já sei, você deu cabo dele, assim como dera de Joaquim, não é? Conversa de pinguço! E quanto à Catharine, a cada dia ela me surpreende mais, nem se parece com aquela mulher frágil com quem me casei.

– Se seguisse à risca meus conselhos, aquela égua estaria agora em uma cadeira de rodas, mofando num quartinho qualquer, mas...

George está atordoado, dirige-se à janela, quando já não mais encontra os repórteres.

– Para que leito ele foi? – indaga o prefeito, dando outra golada na garrafa. – Hum! Ainda bem que tenho esse “santo remédio” por perto, só ele para me acalmar.

– Para o C.T.I.

– Pois vá para lá e estoure os miolos dele; não tenha dó, meu filho, quero sentir daqui o cheiro do sangue.

– O senhor não pode me pedir isso, prefeito. É muito arriscado! E se me pegarem? Irei para a cadeia.

– Irá de qualquer jeito! – escarnece. – Seja pelo assassinato do motoristazinho, seja por manter “altos papos” com garotinhas de oito, dez ou doze anos... Aliás, por qual crime quer ser condenado? Se eu fosse o senhor, escolheria a primeira opção! Como homicida já será a mulherzinha daqueles marginais; imagine se o for taxado de pedófilo então? Não sobreviverá a uma semana.

– O senhor não pode falar assim comigo, eu fiz tudo o que me pediu, inclusive arriscar minha carreira – apavora-se.

– E que carreira!!! – aplaude o prefeito. – Até um bandido é mais limpo que o senhor.

– Calem a boca! Vocês me causam asco! – diz o vereador. – Pois vá ao C.T.I. e dê um fim bem dado àquele infeliz; faça-o com discrição e receberá o DVD como prêmio.

– E que garantia eu tenho de que cumprirá com a palavra?

– A mesma que teve até o momento: a de que o DVD não pararia nas mãos do Governador se cumprisse com sua parte no trato.

– Vô-você entregará mesmo a única arma que temos contra esse delegadozinho? – surpreende-se Tanaka.

– Dê-me esse saquê aqui! – George toma dele a garrafa e a entorna. – Está mesmo bom! Pois vá, delegado, chegue de armações, vamos ser práticos, arrebente a arcada dentária daquele peste...

– Disso eu concordo! – afirma o prefeito, recuperando a garrafa.

– Quero sentir o sabor do sangue daquele motoristazinho correr minha boca. Ave! Devo ser parente do Conde Drácula! – ri.

Paineiras se retira do quarto e segue pela escadaria até o leito de Joaquim.

– Prepare a munição... – pede o vereador. – Depois que Paineiras liquidar Joaquim, simularemos um suicídio.

– Suicídio de quem? Do Paineiras?

– E de quem mais seria? Achou mesmo que entregaria o tal DVD? Nem morto! E esse delegadozinho merece mesmo o buraco, quem sabe no inferno ele seja mais útil.

Os dentes de Tanaka espelham os olhares maquiavélicos do vereador.

– Tem razão. Vivo ele seria um perigo para nós, pois poderia, a qualquer momento, ter um chilique e resolver nos chantagear. Mesmo que não entregássemos o DVD, ele teria muito a contar para a polícia. E se resolvêssemos mesmo entregá-lo, com certeza iríamos juntos! Ia faltar lugar no camburão! Hum! E quanto à Catharine, o que fará? Ela não merecia o mesmo castigo? – atiça.

– Não, prefeito, ou se esquecera de que se ela morrer, a herança dos Dumont será doada às instituições de caridades da cidade?

– Às vezes tenho vontade de desistir dessa grana e dar uma sova bem dada nessa mulher. Quer saber, para mim, bastaria vê-la atirada a um buraco, fedendo como a carniça, consumida pelos vermes, que eu já estaria satisfeito. Seria o deleite! Hum! Mulher dos infernos! Só sabe atrapalhar nossos planos.

– Prepare-se para a grande reviravolta... – retira o terno do encosto da cadeira. – Prometo, dessa vez não terá do que reclamar!

– O que irá fazer, George?

Ele abre a porta e sai, deixando Tanaka intrigado.

Moacir adentra a mansão e para o carro diante do hall de entrada. Quando abre a porta da limusine, tem a sensação de que Catharine não está bem, pois a cor de sua pele assemelha-se a da cera que modula as pétalas de uma flor, daquelas que se vende na feira, sem qualquer trato.

– A sinhora Intá bein? – arrisca.

Ela lhe vira as costas e entra na casa.

– Dona Catharini, a sinhora intá percisando de arguma coisa? – insiste, ao vê-la apoiando-se aos móveis. – Intá sentinu argo? Tá branca feitu um fantasma.

– Não é nada, Moacir! Preciso apenas me deitar um pouco, creio que toda essa confusão tenha me causado uma indisposição.

Sobe alguns degraus da escadaria, segura o corrimão, arfa com dificuldades, fecha os olhos e cai.

– Virge Maria, a muié desmaiô! I agora?

Pegando-a no colo, sente um calor adentrar-lhe o corpo.

– Intá cum frebi, seus zóio intão até virando di ponta cabeça. Meu Deus do céu, o qui façu agora?

Outro prato desaba da prateleira, seu estouro parece ser ouvido por Ernestina, que perde os sentidos em meio à sala de espera, ao lado do C.T.I., onde está o pobre Joaquim.

– Ernestina! Ernestina! – Rubens a socorre ao vê-la cair. – Ajudem-me, enfermeiras, ela desfaleceu.

– ERNESTINA... ERNESTINA... Ó, minha boa amiga ERNESTINA... – como se recebesse um aviso, entra em uma espécie de transe e ouve Franceline chamá-la.

– Se... senhora? Se...senhora? Onde está?

Uma espessa camada de névoa as impede de se verem.

– Salve Catharine! Salve Catharine! Por favor, boa mulher! Salve minha filha!

– O que está dizendo, senhora? Não a compreendo! Fale!

– Salve Catharine! Salve Catharine! Eu lhe imploro! – repete, em meio a gemidos de aflição. – Ela precisa de você!

Uma ventania surge do nada, fazendo com que parte da névoa ceda; momento em que a emprega vê a esposa de George muito adoecida sobre a cama, com o corpo queimando em febre, os lábios arroxeados, a face seca marcada por cicatrizes profundas... Um cadáver em vida! Assustada, cobre o rosto com as mãos e grita.

– Ernestina, sou eu, doutor Rubens! Acalme-se! – resgata-a da hipnose. – Acalme-se!

– Doutor Rubens? Onde estou?

– Sua pressão caiu e você sofreu um desmaio.

– Preciso ir, preciso!

– Não! Ficará em observação por algumas horas, ainda não se encontra totalmente recuperada.

Ao se levantar, cai novamente.

– Não disse, ainda não está bem!

– O senhor precisa salvar Catharine... Por favor, eu lhe imploro! – as mãos trepidantes o agarram, parecem antever uma tragédia.

– O que está dizendo? – assusta-se.

– Não sei como lhe explicar, mas dona Catharine corre risco, eu sei... parece loucura, mas...mas eu sinto, algo de mal irá lhe acontecer, se não intervirmos imediatamente. Por favor, salve-a, o senhor precisa, ela é sua filha! SUA FILHA!

Rubens engole a saliva a seco, fixa bem os olhos dela e cobra num misto de indignação e surpresa:

– Co-co-como você sabe disso? O... o...envelope estava la-lacrado!

– Tudo aquilo que se abre, pode ser lacrado novamente, basta a delicadeza de uma pomba.

– Cristo! Você-você-você sabe de tudo? Não podia ter feito isso! A história é minha, apenas minha, e não sua! – os olhos marejam. – Como pôde, Ernestina?

– Falaremos disso em breve, agora deve partir, ela está na mansão. Vá, homem, antes que seja tarde demais!

À espreita, recolhido a um canto do corredor, está Paineiras, perplexo com a revelação.

– Então Dona Catharine é filha do tal médico? Se isso for verdade, ela não é uma Dumont. E se não for uma Dumont, seu poder inexiste, assim como o de George, pelos menos politicamente dizendo – constata completamente perplexo. – Acho que encontrei a chave que me abrirá as portas da mansão do inferno, onde me encontro aprisionado desde que o conteúdo daquele DVD veio à tona – um sorriso vingativo engole seu rosto.

Mesmo desorientado com a revelação da empregada, Rubens vai à procura da única descendente. Tal é o desespero que passa por Paineiras sem reconhecê-lo, atravessa dois ou três corredores, até encontrar um elevador.

Moacir carrega Catharine nos braços até o sofá. Apavorado, anda de um lado para o outro, mas nada lhe vem à cabeça para resolver o problema. Aos poucos, sem que ele notasse, a mulher voltava à consciência.

– Meu Jisus, o qui devu fazê? Ai, i si ela morri aqui, ieu vô pra cadea iguar ao probi du Joaquim... Vô ligá pra Ernestina – pega o telefone, quando se atenta para o fato de que não possui o número do celular dela. – Achu qui vô inté o hospitar, arguém há di mi ajudá!

Pega a chave da limusine, abre a porta e dá de cara com o vereador, que o investiga:

– O que quer? Por que derruba esses olhos atordoados sobre mim? Aconteceu alguma coisa?

– A...a...a...a...do-do-dona Ca-Ca-Catharini...

Impaciente, empurra-o para o lado e entra na casa; ao avistar a esposa que agora vomitava sangue sobre o sofá, não contém o espanto:

– CATHARINE??? MAS...MAS...O QUE ESTÁ ACONTECENDO???

Sem rumo, o sangue corre o chão, causando, enfim, algum sentimento àquele coração petrificado.

Encerra com a música: (The Cure - Final Themes)

__________________

1. Novela exibida pela Rede Globo em 1989, de autoria de Lauro César Muniz. Contava a A trajetória de Sassá Mutema, um boia-fria que chegou ao poder e mobilizou o Brasil no ano das primeiras eleições diretas depois da ditadura, misturando ficção e realidade.

2. La Rochefoucauld foi um pensador francês do século XVII que escreveu em forma de aforismos, seu ponto de vista e analítico da moral que perpassa as relações humanas, sendo um primeiro esboço de psicologia que viria no século seguinte a ser feita dentro dos moldes empíricos.


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