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Quando Ana Olhou para a Direita: Capítulo 12

Minissérie de João Paulo Coca
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QUANDO ANA OLHOU PARA A DIREITA - CAPÍTULO 12


O PREÇO DA VERDADE
 

Ana entrou na delegacia apressada e foi direto para sua mesa. Nem mesmo respondeu ao companheiro de plantão, que perguntou o que ela estava fazendo ali no sábado à noite. Ligou seu computador enquanto pegava a pasta do seu caso na gaveta do armário. Desesperada por encontrar respostas, Ana começou a investigar sua tia, Zoé e o orfanato. Ela não conseguia imaginar o motivo da tia ter algum envolvimento com Petros.

O primeiro passo foi consultar a ficha policial de sua tia, que não constava uma multa de trânsito sequer. Logo em seguida, Ana se lembrou de um jovem hacker que trabalhava como informante da polícia e tinha acesso a sistemas bancários e várias outras informações confidenciais. Enviou pra ele uma mensagem por e-mail com os dados da tia e também do orfanato para que fizesse uma varredura completa. Enquanto o hacker revirava as contas de Zoé e do orfanato Arquiem, Ana procurava alguma pista que justificasse aquele encontro.

Algum tempo depois, Ana recebeu uma ligação de seu chefe, o Delegado Belfort, perguntando o que ela estava fazendo na delegacia àquela hora. Enquanto justificava para o delegado que estava apenas colocando algumas coisas em ordem, direcionou um olhar de reprovação para o companheiro, que provavelmente havia informado ao delegado.

— Não se preocupe, senhor! Estava à toa em casa, resolvi vir organizar umas coisas.

— Espero que não tenha nenhuma relação com o caso de ontem!

— Não, senhor. Não tem nada a ver — negou Ana, prontamente. 

— Nos vemos na segunda-feira! Vá pra casa descansar — ordenou Belfort

            Ana continuou sua busca por pistas, tentando encaixar sua tia no esquema criminoso de Petros. Em alguns momentos, ela duvidava de si mesma, imaginando que pudesse estar completamente errada e que o suspeito realmente não tivesse nada a ver com a informação dada pelo promoter do Guarujá, Felipe ‘Morfeu’. Mas, como ele estava morto, era impossível ela confrontá-lo novamente para mais informações.

            A morte de Felipe era outra coisa que preocupava Ana, mas ela ainda aguardava informações da polícia local. Sabia que alguém informara à quadrilha sobre a ação na casa da praia, e obviamente sabiam que Ana estava lhes investigando.

            Algum tempo depois, Ana recebeu uma resposta do hacker por e-mail.

            Averiguei os dados que enviou em vários sistemas bancários e financeiros. Estou enviando os extratos dos últimos 12 meses das transações que encontrei.

            Ao verificar os anexos, Ana viu que o informante fizera um ótimo trabalho, eram vários extratos em nome do orfanato que continham transações vindas de várias empresas, lugares e países diferentes, além de transações realizadas na própria conta pessoal de sua tia, Zoé.

            Ela sabia que um orfanato que precisava ser mantido pela família há tanto tempo não parecia ser uma instituição que recebia milhões e em doações durante o ano. Ana resolveu agir sozinha, dessa vez, sem qualquer consentimento ou aviso prévio ao seu chefe.

Voltando ao orfanato durante a noite, parou seu carro um pouco distante e observou até que a tia deixasse o local.

Após esperar por mais de uma hora, Ana viu sua tia saindo. A sala da administração ficava na frente e não tinha ligação direta com o imóvel, aparentemente construída como anexo ao local. Isso facilitaria o acesso de Ana à sala sem ser vista pelos funcionários do orfanato. Ana esperou por mais algum tempo, até confirmar que as luzes do local foram apagadas completamente, desceu do carro e foi até o escritório.

A fechadura da sala era simples, o que permitiu Ana destrancá-la facilmente usando seu kit de arrombamento da polícia. Conseguiu entrar na sala sem fazer qualquer barulho, fechou a cortina da janela que dava acesso à rua, ligou sua lanterna e começou a vasculhar a sala da tia.

Ana não tinha certeza do que procurava, mas precisava olhar tudo, até que encontrasse alguma prova que realmente ligasse sua tia à quadrilha de tráfico de pessoas. A luz de sua lanterna vagou pela sala escura como olhos de coruja procurando por alguma presa. A detetive tentou acessar o computador, mas não conseguiu devido a uma senha. Então ela começou abrir gavetas e armários, olhando rapidamente várias pastas e documentos.

Em sua busca, Ana abriu um armário onde estavam os arquivos de todos os internos no orfanato. Ela começou a folhear as pastas suspensas dentro da gaveta e encontrou uma com nome de vários jovens que tiveram suas saídas decretadas nos últimos meses após completarem 18 anos. Junto com a lista de nomes, também encontrou relatórios individuais, contendo fotos, datas de saída e possíveis destinos de cada um.

Ela começou a notar um padrão nas informações dos jovens. A maioria das meninas tinha outros países como possíveis destinos. Isso fez Ana se lembrar da informação de ‘Morfeu’, que disse a ela que muitas meninas eram enviadas ao exterior com promessas de trabalho e vidas melhores, mas acabavam terminando em trabalhos escravos e prostituição.

Ao virar uma das páginas, Ana viu uma foto que lhe parecia familiar. Ela continuou olhando, tentando se lembrar de onde conhecia aquele rosto, até que, como um estalo em sua cabeça, Ana se lembrou: era uma das jovens encontradas mortas no galpão! Mesmo que a situação não favorecesse a vítima, ela tinha traços marcantes que evidenciaram a identificação. Ana olhou novamente para a foto e sentiu um grande nó na garganta, uma mistura de tristeza, amargura e uma grande vontade de se entregar às lágrimas. Era a prova que ela precisava para concluir seu caso, e, claro, prender sua tia, Zoé.

Ana continuou procurando outras pistas que poderiam agregar ao seu caso. Ligou a impressora do escritório e tirou cópia das fichas daqueles jovens, além de outros documentos que poderiam servir como provas para chegar até as empresas que financiavam o esquema. Guardou tudo novamente nos seus lugares, saiu do escritório silenciosamente, trancando a porta e, mesmo sendo quase meia-noite, voltou para a delegacia.

Uma mistura de sentimentos e adrenalina fez com que Ana ficasse acordada durante algumas horas naquela madrugada, trabalhando sem parar para organizar a papelada necessária para transformar suas descobertas em provas para seu o seu caso, até então, fracassado. Após finalizar tudo, Ana olhou no relógio e já se notou que era quase 5h da manhã. Enviou uma mensagem para o telefone do delegado, perguntando se poderia encontrá-la na delegacia assim que possível naquele domingo de manhã. Enquanto aguardava uma resposta de Belfort, se deitou em um sofá na sala de descanso da equipe e acabou pegando no sono.

Uma voz que parecia estar distante dizia: Ana! Acorde, Ana!

Até que a detetive abriu os olhos e percebeu que o seu chefe estava agachado ao seu lado, tentando acordá-la de forma suave. Ana saltou do sofá como se estivesse pronta para o combate.

— Que horas são? Eu cochilei aqui por alguns minu... — Ela olhou no relógio da parede e viu que já marcava 8h10 da manhã. — Por algumas horas!

— O que aconteceu, Ana? Estou realmente muito preocupado com você.

— Estou bem, eu juro! ­— disse ela, esfregando os olhos.

— E por que passou a noite aqui?

— Preciso te mostrar uma coisa. — Passou a mão pelos cabelos, formando um coque bem rápido, preso com um lápis que estava em cima da mesinha de café.

Ana saiu da sala, passou por sua mesa, pegou a pasta do seu caso dentro da gaveta e foi direto até a sala do delegado, antes mesmo que ele chegasse até lá.

Belfort entrou na sala, fechou a porta, viu que Ana já está sentada lhe aguardando com aquela pasta ainda mais recheada de papéis. Ele se sentou e disse:

— Antes de me falar qualquer coisa, saiba que estou do seu lado, mas, em alguns momentos, é preciso desistir daquilo que nos faz mal. E esse caso está acabando com você.

Ana sequer respondeu à fala de apoio do chefe. Apenas tirou uma das folhas da pasta e colocou sobre a mesa. Continha a foto das jovens encontradas mortas enviadas pelo médico legista. Antes que o delegado dissesse alguma coisa, Ana colocou outra folha ao lado, a ficha com os dados e foto de uma das jovens.

Belfort pegou as duas folhas e colocou lado a lado para comparar as duas fotos.

— Puta que pariu! É ela mesma? — perguntou ele, espantado.

— Tenho certeza, olhe o formato do rosto arredondado, o cabelo muito liso! — Disse Ana apontando para a foto. — Outra coisa, ela tem uma pinta próxima aos olhos e outra do lado esquerdo do queixo.

O delegado ficou parado por alguns segundos, observando as fotos e confirmando se realmente eram a mesma pessoa.

— E como descobriu isso, Ana?

— Essa é a parte complicada!

Belfort cruzou os braços e se recostou na cadeira, aguardando péssimas notícias. Então Ana contou ao chefe como o destino a colocou no lugar certo e na hora certa para ver Petros saindo do orfanato da tia, o que a motivou a virar a noite investigando a velha senhora e o orfanato gerenciado por ela. Ele a encarava firmemente enquanto ela descrevia sua nova narrativa do caso.

— Minha opinião é que minha tia entrega as jovens recém-saídas do orfanato para que Petros pudesse negociá-las com o exterior. Por isso, não tínhamos denúncia de desaparecimento dessa menina — dizia Ana, quase que sem pausas para respirar.

— O que quero saber de verdade é como encontrou essa ficha com os dados da... — Ele pegou novamente a folha em cima da mesa. — Mariele Silva?

Ana encarou de volta o olhar do chefe e, depois de alguns segundos de silêncio, respondeu:

— Eu invadi a sala da minha tia essa madrugada.

O delegado colocou o papel na mesa, coçou o queixo como quem escolhesse as melhores palavras, ameaçou começar uma resposta, passou a mão pelo rosto e então respondeu à fala da detetive:

— Ana, Ana, Ana! Essa semana, você já diminuiu pela metade o número de cabelos que eu tinha na cabeça — disse ele em tom quase irônico. — Isso é muito grave, Ana!

— Eu sei, mas não vamos usar essas informações por enquanto — disse, tentando tranquilizar o chefe. — Vamos detê-la como se houvéssemos recebido uma denúncia e pressioná-la a confessar.

— Mais grave ainda, Ana! Vamos cometer o mesmo erro que cometemos com o Petros Guerra — pontuou Belfort. — Não vai conseguir que um juiz lhe dê um mandado.

Ana tirou outro papel da pasta e colocou em cima da mesa.

— O que é isso? Como conseguiu esse mandando durante a madrugada? — perguntou ele, completamente espantando.

— A juíza Themis me adora! — disse ela, sorrindo e pegando de volta o mandado das mãos do chefe.

— Bem! Se a juíza autorizou, quem sou eu? — Ela parou por um momento e continuou. — É uma frase estranha, mas vai lá prender sua tia!

Após receber a autorização do chefe, Ana preparou uma operação relâmpago. Entrou em contato com um dos policiais militares que a ajudaram a prender Petros naquela semana e pediu que ele ficasse de olho novamente no endereço do suspeito e aguardasse uma ordem de prisão nas próximas horas. Ligou para outros dois detetives que também a ajudaram no caso anterior e pediu apoio para a operação que iriam fazer no orfanato pela manhã.

Mesmo sendo uma pessoa muito querida, Ana tinha provas e convicções suficientes para deixar os sentimentos de lado e prender de uma vez por todas um membro dessa quadrilha. A prisão da tia seria trágica para toda a família, mas ela estava disposta a arriscar tudo para fazer justiça e salvar a vida de muitos jovens.

 

Ana estava ansiosa e conseguiu que a equipe se reunisse após o almoço, principalmente por ser domingo. Além de Ana, dois detetives compareceram à delegacia, e foram juntos em uma das viaturas até o endereço do orfanato com um mandado de prisão, busca e apreensão a ser cumprido.

Ao chegarem no local, Ana viu que o carro da tia se encontrava no estacionamento. Parou seu carro a alguns metros do orfanato, desceu e foi até a viatura, que estacionou logo atrás dela. Debruçou-se sobre a janela e pediu para entrar sozinha no local, pois havia muitas crianças e não gostaria de causar nenhum grande alvoroço entre elas. Os companheiros acenaram com a cabeça e aguardaram dentro do carro, até que Ana autorizasse a entrada.

Ana caminhou até a sala de administração, onde havia invadido na noite anterior, rapidamente olhando para ver se a tia estava lá, mas a sala estava vazia. Continuou caminhando até entrar no saguão principal do local, onde viu sua tia fechando a porta, vindo da ala que dava acesso aos dormitórios das crianças. Ana aguardou que Zoé fechasse a porta e virasse para ela.

— Olá, minha querida! — disse a tia com um grande sorriso.

— Olá, tia! — respondeu Ana sem esboçar qualquer expressão. — Zoé Torosídis, você está presa por ser por lavagem de dinheiro e evasão de divisas, além de outros crimes que prefiro não citá-los aqui.

Zoé, obviamente por sua idade, não resistiu à prisão. Enquanto era algemada, uma das funcionárias do local também entrou no saguão e viu aquela cena chocante da doce senhora sendo algemada pela detetive.

— O que está acontecendo?! — questionou a funcionária, desesperada. — Isso é um engano! Você não pode prendê-la!

— Se é um engano, quem dirá é a justiça — respondeu Ana, educadamente. — Mas não espere vê-la aqui por muito tempo.

Ana caminhou até a porta com uma mão nas costas e outra nas algemas da tia. Enquanto passava pelo portão, acenou para os companheiros, que entraram para fazer a busca e apreensão de tudo que encontrassem no escritório. Eles já aguardavam encostados nas viaturas e rapidamente entraram no local, não sem antes darem um olhar espantado pela cena daquela senhora de cabelos grisalhos sendo conduzida por Ana.

— Sei que está fazendo seu trabalho, mas você está cometendo um engano, Ana!

— Desculpe, tia. Mas eu acredito que não esteja.

Zoé percebeu que a sobrinha estava muito tensa, com o rosto vermelho como se segurasse as lágrimas. Então começou a tentar tocar seu lado emocional.

— Você não pode fazer isso, Aninha! Como explicará pra sua mãe? — disse ela com um tom de voz sereno.

Ana enxugou uma lágrima que teimou em escorrer por sua bochecha, mas resistiu bravamente não deixando que outras a acompanhassem.

— Não gostaria que as crianças ouvissem isso, mas vou terminar minha fala — disse ela, ajudando a tia a se sentar no banco de trás da viatura. — A senhora também é acusada de tráfico de pessoas e assassinato.

Zoé tinha esperanças que as acusações terminassem apenas nas transações financeiras, e acabou mudando o discurso em uma última tentativa.

— Não faça isso, Ana! — disse Zoé, já com uma reação desesperada, tentando puxar a manga da camisa de Ana. — Por favor! Você irá destruir nossa família.

Ana fechou a porta como se prendesse um delinquente qualquer, sem dar ouvidos. Mas, por dentro, chorava. Ela viu um dos detetives saindo com o gabinete do computador do escritório nas mãos, então respirou fundo e o encontrou na calçada.

— Me faça um favor, conduza a suspeita até a delegacia. Eu termino aqui e vou assim que possível. — Ordenou Ana.

Ana aguardou até que a viatura deixasse o local e voltou para ajudar a procurar evidências. Ao entrar, percebeu que algumas funcionárias do orfanato se aglomeravam próximo à porta, conversando entre si.

Enquanto subia os dois degraus de escada que davam acesso à entrada, Ana tirou uma foto de Petros da pasta e mostrou às mulheres.

— Reconhecem esse homem?

— Claro, esse é o Petros, é um dos fornecedores de alimentos aqui do orfanato — respondeu rapidamente uma das funcionárias. — Acho que ele vende peixes. Mas sempre negocia direto com a Dona Zoé.

            — Qual o nome de vocês? — perguntou Ana, abrindo seu bloco de anotações.

            As mulheres não responderam à pergunta da detetive, enquanto trocavam olhares assustados.

            — Não se preocupem. Vocês não terão problemas, mas como estão presentes nesse momento, preciso saber quem são.

            Ana anotou os nomes, agradeceu e foi até a sala de administração falar com o companheiro, que recolhia e encaixotava várias pastas. Após ajudá-lo a encaixotar tudo que precisavam, a detetive resolveu visitar a parte interna do orfanato e procurar alguma informação relevante. Enquanto caminhava pelos corredores do local, através de uma das portas, viu um grupo de adolescentes no pátio externo. Ana guardou seu distintivo no bolso e se aproximou do grupo para fazer algumas perguntas.

            — Oi, pessoal! Meu nome é Ana — disse ela, aproximando-se com um sorriso. — Queria saber sobre uma das jovens que morava aqui com vocês e saiu recentemente, Mariele Silva.

            — Aposto que ela tá encrencada! — disse uma das meninas, gargalhando.

            — Por que diz isso? — questionou Ana

            — Ah! Ela é muito bocuda. Não aceita que ninguém diga a ela o que fazer.

            — Entendo. E tem notícias dela? — perguntou Ana.

            — Não! Mas ela tava toda metida que ia trabalhar num cruzeiro pela Europa — respondeu outra jovem, como se imitasse a amiga. — Deve tá pegando algum gringo lindo no navio — finalizou, arrancando risos do grupo.

            Ana resistiu e acabou não contando o trágico destina da amiga, aquele não era o momento. O impacto da prisão da diretora do orfanato já seria suficiente.

            — Daqui um tempo, ela volta — disse uma das jovens. — Ela falou que, assim que juntasse uma grana, voltava pra buscar a irmã mais nova dela.

            Com um nó na garganta, Ana perguntou:

— Ir... irmã?

            — Isso! Aquela bonitinha ali — disse a jovem, apontando para uma menina que brincava de boneca com outras crianças. 

            Ana ficou sem reação quando viu aquela criança que ainda esperava o retorno da irmã, o que nunca aconteceria. O grupo continuava conversando e gargalhando. Então, Ana agradeceu, despediu-se e caminhou de volta em direção ao corredor que dava acesso ao saguão principal. Ana não conseguiria ficar ali por muito tempo, pensando que todos aqueles jovens poderiam ter destinos tão trágicos.

            Ela voltou até a sala da administração e viu que o companheiro já aguardava sentado nos degraus da entrada.

— Podemos ir! — disse Ana, caminhando em direção à saída.

            Ao retornar para a delegacia, Letícia já estava lhe aguardando em sua mesa.

            — O que tá fazendo aqui? É domingo — perguntou Ana

            — O chefe me ligou, disse que você precisaria de mim.

            — Obrigada por vir, amiga! Vou precisar, sim, mas primeiro vou ter que fazer o interrogatório mais difícil da mina vida.

            — Aquela é sua tia?

            — Exatamente! — respondeu Ana, servindo dois copos de água no bebedouro.

            Ana foi direto para a sala de interrogatório começar a conversa em família mais complicada e constrangedora que ela poderia imaginar. Esperava que um dia teria que interrogar o tio Dimitri, mas sua tia Zoé era algo inimaginável para qualquer um que a conhecesse.

            Ao entrar na sala, Zoé estava de cabeça baixa, com as mãos algemadas em cima da mesa. Ana colocou um copo de água ao lado da tia e destrancou as algemas com delicadeza para não machucá-la. Zoé agradeceu e logo deu o primeiro gole em seu copo d’água.

            — Vou direto ao ponto, tia — disse ela, arrastando a cadeira e se sentando em frente à Zoé. — A senhora tem o direito a um advogado, mas se resolver falar comigo antes de chamá-lo, serei bem mais generosa com a senhora.

            Zoé apenas acenou com a cabeça em sinal positivo, concordando com a proposta. Então Ana colocou a foto de Petros sobre a mesa e perguntou se aquele homem fazia parte do esquema.

            — Sim, querida! Faz parte, sim.

            Imediatamente, Ana abriu a porta da sala e falou para Letícia avisar à viatura dos militares que poderiam efetuar a prisão de Petros assim que o vissem. Eles aguardavam apenas uma aprovação para a ação, já que o homem sequer havia saído de casa no domingo.

            — Vamos continuar! — disse Ana, sentando-se novamente.

            Agora, Zoé tinha certeza que Ana sabia como funcionava o esquema entre ela e Petros, e, em uma jogada para tentar salvar a própria pele, ofereceu um acordo à sobrinha.

            — Posso entregar todo o esquema! — disse ela antes que Ana começasse a falar. — Nomes, rotas e destinos de cada envolvido e onde muitas mulheres foram parar.

            — E o que vai querer em troca? — disse Ana, já desconfiada da oferta.

            — Quero proteção contra a testemunha, com uma vida nova em outro lugar.

            — Isso não depende de mim, mas posso lutar por você se realmente entregar algo que meu chefe considere útil.

            — Olha, Ana! Já sou uma mulher velha, que vem sofrendo com as coisas erradas que venho fazendo por anos. Mas não quero morrer agora — disse ela, tentando convencer a sobrinha. — E é isso que irá acontecer, eu vou morrer antes de terminar minha primeira noite na cadeia.

            Ana percebeu que a tia só iria contar tudo que sabia se ela se sentisse segura ao falar. Mesmo sem ter tal autonomia, aceitou o acordo, dizendo que, se as informações não fossem vantajosas para a polícia, o acordo seria desfeito. Ana ligou o gravador e colocou em cima da mesa.

            Após alguns segundos em silêncio, Zoé bebeu outro gole de água, ajeitou-se na cadeira e, com aquele modo meigo e uma voz suave, disse:

— Me desculpe, Ana banana! — E começou confessar seus crimes. — Nós traficamos mulheres há muito tempo. Principalmente mulheres jovens. Enviamos elas para várias cidades do Brasil, Uruguai, Argentina. As vendemos para traficantes da Europa e EUA. A maioria é obrigada a se prostituir ou a exercer trabalhos contra suas vontades em regime de escravidão.

            Zoé começou a dar vários detalhes sobre o esquema e como essas mulheres eram selecionadas.

            — As jovens sem família ou em situação de risco são as preferidas do esquema, como a menina negra que encontraram junto com a Mariele. Quando estão grávidas, o orfanato acolhe a criança. Como a maioria não encontra lares até a idade adulta, também são enviadas para o esquema quando completam 18 anos.

            Ana ficou chocada ao ouvir tais atrocidades saindo da boca daquela doce senhora por quem ela sempre teve tanto apreço durante sua vida. A detetive até tentou interromper a fala da tia.

            — Me fale nomes, locais, essas coisas!

— Chegaremos lá! As meninas que você encontrou seriam enviadas para a Europa a bordo de um cruzeiro, mas algumas coisas deram errado e o Petros acabou tendo que... enfim, resolver as coisas. Uma pena!

A frieza da tia espantava a detetive, que logo acusou o Petros de ser sócio do esquema.

— Então confirma que Petros é o assassino das meninas? Que ele é seu sócio nesse esquema?

— Sim, ele é o assassino. De algumas outras também — disse ela, finalizando seu copo de água e o colocando sobre a mesa. — Mas sócio? Não! Ele é apenas um brutamontes que trabalha pra gente, transporta as meninas e limpa a sujeira de vez em quando.

Zoé pediu um copo de café à sobrinha. Ana abriu a porta novamente e fez um sinal para Letícia pedindo dois cafés. A assistente levou rapidamente até Ana, que agradeceu e novamente se trancou na sala com aquelas confissões terríveis.  Entregou o café à tia, que continuou a falar.

— Meu papel, Ana, sempre foi manter as crianças saudáveis e seguras até chegar a hora delas partirem — disse ela, tentando se mostrar arrependida. — Além de servir de ponte para os pagamentos. Afinal, quem duvidaria de um orfanato? Mas não, eu nunca fui a chefe, como você pensa.

Ana se levantou enquanto escutava a história, andou pela sala, apoiou-se na cadeira, estando totalmente inquieta e ansiosa por mais informações daquela confissão.

— Você precisará preparar 3 equipes para agirem ao mesmo tempo. Você não vai querer que ninguém escape, não é mesmo? — sugeriu Zoé.

Ana se sentou novamente, sentia que agora sua tia iria revelar os nomes que ela buscava.

— Seu tio, ele sim é o responsável por esses crimes bárbaros.

Ana se afastou da cadeira, espantada, e perguntou:

— Tio Dimitri?

— O Dimitri, não. Os problemas dele com a Justiça são outros. O Rei do Mar, Georgios! Ele chefia o esquema, toda a rota é feita pelo mar. Cruzeiros, iates e lanchas. Ele começou o esquema há mais de 30 anos, eu acabei entrando e nunca mais pude sair. Infelizmente, as coisas se tornam normais com o passar do tempo.

Chocada com a notícia, Ana pôs a mão no rosto, ajeitou o cabelo e se endireitou na cadeira, colocando os braços em cima da mesa:

— Meu pai sabe disso, tia?

Zoé bebeu um gole de café e respondeu:

— Minha filha, como acha que seu pai ficou tão rico e conseguiu tantos filhos? 

Ana ficou em estado choque, aquela fala da tia era como se um lutador de boxe houvesse acertado um soco no meio de seu rosto. Ficou um pouco aérea com a informação enquanto sua tia continuava falando. Muitas coisas começavam a fazer sentido naquele momento. Inclusive, Ana se lembrou que as principais transações do orfanato eram feitas no Banco Olimpo, no qual seu pai era um dos principais acionistas.

— O Konstan vivia se divertindo com mulheres por aí, mas adorava crianças. Como sua mãe não podia mais ter filhos após o nascimento do Andreas, às vezes, durante uma crise no casamento, buscava um bebê no orfanato, mas preferia dizer que eram seus filhos para não levantar suspeitas. Conhece a sua mãe, ela nunca iria se opor a um recém-nascido pra ela cuidar.

Ana passava a mão pelo rosto e mal conseguia se concentrar na fala da tia.

— Mas, há alguns anos, ela descobriu sobre o esquema, o que acabou levando a essa maldita depressão.

Ana logo se lembrou da crise de ansiedade que a mãe teve durante aquela visita em que ela teve uma discussão com o irmão, Andreas. Na verdade, a mãe havia ficado nervosa quando Ana disse que estava trabalhando em um caso sobre tráfico de pessoas.

— Então somos todos filhos do tráfico? — perguntou Ana

— Alguns de vocês, sim. Dione e os gêmeos. Tanto você como o Alexandre foram deixados em nossa porta, ainda bebês.

— E pra onde devemos mandar nossa terceira equipe, além do Guarujá e na casa do meu pai?

— Para Santos! Tem um navio com sete garotas a bordo que serão levadas à Europa após a temporada de cruzeiros pela costa.

Diante de tantas revelações, Ana mal conseguia raciocinar e planejar a operação necessária para efetuar todas aquelas prisões. Ela ficou por alguns segundos parada, em completo silêncio, apenas perdida em seus pensamentos, até que sua tia Zoé quebrou o silêncio.

— Veja bem, Ana! Às vezes, o melhor que se pode fazer é se dedicar a uma coisa maior, como encontrar vidas melhores para outras pessoas.

Ana olhou para a tia com um olhar perdido e sem esperança. Em seguida se levantou devagar da cadeira.

— Alguém virá redigir sua confissão — disse ela com a voz um pouco embargada. — Vou providenciar que cumpram nosso acordo.

— Obrigada, Ana!

— Não me agradeça. Pois, se fosse uma opção, agora a senhora se tornaria minha ex-tia.

Zoé não reagiu à resposta da sobrinha, em respeito à dor de Ana.

Ana saiu da sala em silêncio, foi até sua mesa e começou a fazer algo que não imaginava que faria. investigaria seu próprio pai. Para perturbar ainda mais, encontrou registros antigos de processos em que seu pai foi acusado de assédio e estupro de funcionárias. Ao ler isso, Ana se levantou e foi direto à sala do Delegado Belfort, narrando a ele toda a confissão de sua tia.

Durante quase uma hora, os dois conversaram sobre o tamanho daquele caso, que era necessário uma força muito maior para que aquilo fosse feito da melhor maneira, porém com muita pressa. Decidiram então acionar a Polícia Federal para ampliar o alcance da operação e resgatar o máximo de vítimas possíveis.

Após sair oficialmente do caso, Ana tirou sua arma do coldre de couro presa à cintura, pegou seu distintivo que guardava no bolso e colocou sobre a mesa de Belfort.

— Obrigada por tudo que fez por mim, chefe! — Ana olhou diretamente para o chefe e finalizou. — Minha vigília termina aqui.

— Quê? O que você está fazendo, Ana? — perguntou o delegando, espantado.

— Acredito que eu precise de um tempo. Eu não posso continuar.

Então Ana se levantou e passou por sua mesa, pegando alguns pertences na gaveta e os colocando na bolsa. Aproximou-se por trás de Letícia e se abaixou, beijando o alto da cabeça da amiga.

— Você vai longe, amiga! Você é maravilhosa em todos os sentidos.

— Co... Como assim, Ana? O que foi isso?

— Eu te ligo — disse Ana, caminhando em direção à porta da frente da delegacia.

Encerra com a música: (Help - The Beatles).


autor
João Paulo Coca

elenco
Giovanna Antonelli como Ana Torosídis
Sheron Menezzes como Letícia
Cauã Reymond como Felipe Morfeu
Otávio Muller como Antero Torosídis
Antônio Fagundes como Konstantinos
Alexandre Borges como Georgios
Miguel Falabella como Dimitri
Carmo Dalla Vecchia como Andreas Torosídis
Larissa Manoela como Helena Torosídis

trilha sonora
Help - The Beatles

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO


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