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Antologia Lua Negra | Capítulo 13: Expurgo (Season Finale)

Conto escrito por Rangel Elesbão
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Sinopse: Homem em estado terminal, portador de uma ancestral maldição, precisa passar seu espírito para outro corpo, para continuar seu legado.


Expurgo (Season Finale)
de Rangel Elesbão


Porto Alegre (RS)

A mosca voa livremente, entre rajadas e piruetas, batendo suas asas, produzindo um zumbido que retumbava no ambiente silencioso. Até que pousa sobre a mão do moribundo. Seus olhos múltiplos encaram a pele enrugada e quase sem vida do velho, enquanto esfrega as patas, caminhando sobre a pele ressecada dele.
O moribundo deitado, que ofegava em esforços convulsivos para respirar, estava com os olhos fixos nos movimentos da mosca, que caminhava sobre o seu corpo, como se desbravasse terras estranhas. Ele não era capaz de fazer mal a uma mosca, mas era preciso sobreviver. Sua missão ainda não havia acabado.
Houve uma batida seca na porta, logo depois entrou a enfermeira. Ela se aproximou, lhe aferindo a pressão arterial e a temperatura corporal; em seguida anotou as informações numa prancheta, com uma expressão de desânimo em seu rosto.
— Coração fraco, Sr. Foster! – ela disse se preparando para sair, antes de verificar os aparelhos ligados ao seu corpo e regular o respirador.
Os olhos dele estavam fixos na parede, ouvia o zumbido, misturado com os sons dos aparelhos e tubos ligados ao seu corpo. Mas o zumbido das suas asas se destacava, parecia mais alto, como uma mosca varejeira sobrevoando sua carniça.
O vulto da enfermeira passou pelo canto do seu olho, na sua visão periférica. Ele não podia falar ou se mover. Mas a sua mente fervilhava…
Pensava no corpo belo da mulher robusta, suas coxas grossas e roliças, os seus seios fartos; lábios vermelhos carnudos e cheios de volúpia. Não poderia ser a enfermeira… O corpo dela não serviria…
A mosca pousou na sua têmpora, e ele pode sentir suas pequenas e pegajosas patas, seus passos sobre o seu rosto. Não podia se mover, nem falar. Tampouco gritar e pedir para espantar ou que dessem um tapa, esmagando aquela mosca repugnante, que caminhava em seu rosto. Daria tudo para ter forças e espantar aquele inseto. Um pequeno movimento, um aceno talvez, já poderia sair voando para longe.
Mas a mosca continuava caminhando sobre o seu rosto. Conseguiu se infiltrar por um pequeno espaço entre sua pele e o respirador. Esgueirando-se e segregando algo viscoso sob sua máscara de ar, uma minúscula pasta de sedimentos aglutinada na sua pele. Caminhava e tentava voar dentro da máscara, quase penetrando no tubo de ar; roçando as minúsculas patas e as asas na boca entreaberta, nos lábios ressecados e na língua pastosa.
Acabou entrando em uma narina, explorando uma pequena fresta escura entre a cartilagem e o tubo de ar. Mas suas tentativas de desbravar aquele pequeno túnel escuro, não deu certo, e saiu novamente para caminhar entre os lábios.
O paciente sentia uma agonia descomunal, com a mosca passeando sob seus orifícios. Sem poder se mover ou desperdiçar suas energias fazendo qualquer esforço.
A enfermeira ainda estava de costas para ele, e nas poucas vezes que se virava, não percebia o inseto perturbador. Quando ela foi embora do quarto, suas esperanças de espantar o pequeno animal, também se foram. A impressão que tinha, era de que estava desprendendo alguma substância ou aroma, que a atraía; como aqueles feromônios comuns nos insetos.
Nesse momento como uma sádica torturadora, a mosca arrastava suas patas lentamente, com passos pegajosos e brincou ao redor da orelha dele. Pousava e voava, depois pousava e caminhava pela cartilagem, pelo lóbulo e entrava no ouvido, roçando suas patas.
Penetrando e zumbindo inquieta, foi entrando cada vez mais fundo, sem ser convidada até chegar ao tímpano. O zumbido dela e de suas asas batendo, agora alto como o rufar de tambores, o deixavam com vontade de gritar, e um desespero com impossibilidade de se mover e de se debater, quando sentia as patas do animal.
As asas do inseto faziam cócegas na fina membrada do tímpano, até que como se tivesse concluído sua expedição, saiu do seu orifício auditivo de novo, causando um alívio imediato, quando cessaram o roçar das suas patas.
O olhar fixo do Sr. Foster viu quando ela levantou voo, bailando no ar e fixou suas patas na parede à sua frente. Nunca havia se sentido tão aterrorizado, refém de um minúsculo inseto. Uma mosca insignificante havia adquirido o poder de uma torturadora voraz.
O velho pensou sobre a estranha relação entre o poder de tortura da pequena mosca. Pequena a ponto de o torturar insuportavelmente, quando imóvel. E ao mesmo tempo, o menor movimento que fizesse, um simples toque, poderia esmagá-la.
Mas ele não poderia fazer nenhum movimento. Toda a sua vida e morte, dependia do seu esforço agora. E seria assim que recebesse a próxima visita, quando pudesse tocá-la, e passar adiante a sua maldição para um novo corpo.
Expurgar para outro corpo, mais jovial, saudável, para dar continuidade ao seu legado de terror. Expelir para fora daquele corpo decrépito, toda a essência da sua maldade. Toda a poderosa energia infernal capaz de trazer destruição aos homens e ao mundo. Expurgar seu espírito infernal e ancestral e perpetuar o seu reinado.
Bastava apenas um toque. Uma tocadela para formar um elo e depurar o Mal de um corpo para o outro, possuindo um novo hospedeiro. Para depois, passados trinta anos, procurasse outro corpo humano novamente, para migrar sua alma ciclicamente, perpetuando o seu legado, de servo das Trevas. Como sempre era feito, desde os tempos mais remotos. Era preciso continuar a construção do seu legado.
Os pensamentos do moribundo foram interrompidos pelo barulho da porta se abrindo. O som de passos no piso, ficou mais evidente e o velho esboçaria um sorriso de satisfação, se assim pudesse.
Era chegado o grande momento, esperava ele.
Expurgo.
Os olhos fixos e sem brilho do velho se detiveram na imagem do homem de branco, parado ao lado na cama. Um homem alto e viril, cheio de músculos salientes. Era o hospedeiro ideal para abrigar sua alma demoníaca. Então se preparou. Reuniu todas as suas forças para poder entrar em contato com o corpo do homem. Nada poderia interromper o elo entre os dois corpos, no momento do fluxo de energias. Ninguém poderia entrar no quarto, tocar ou separar o contato entre os dois. Deveria ser rápido, preciso.
O médico em pé ao lado da cama, regulou a passagem da medicação intravenosa do paciente, e o olhou pesaroso.
— Temo que não haja muito tempo para o senhor, neste mundo hostil! – resmungou o jovem médico. Seu nome era Dr. Evans, dizia o nome bordado no seu jaleco branco.
Quando o Dr. Evans pousou a mão sobre o seu paciente, subitamente foi agarrado pela mão do moribundo, num aperto firme e incomum, para alguém no estado vegetativo que ele se encontrava; como se fosse um movimento involuntário dos músculos do idoso.
Sem mexer qualquer músculo do seu corpo, nem um piscar de olhos, o paciente segurava firme a sua mão, fazendo uma leve pressão; o que isso significava o máximo de esforço e força que conseguira reunir para fazê-lo. Como se fosse a última ação da sua vida.
Aos poucos o médico começou a sentir um leve formigamento subindo pelo seu braço, o arrepiando. Depois uma ardência, cada vez mais forte no seu corpo.
As luzes dentro do quarto pareceram piscar por um momento.
Os lábios do velho se entreabriram, sob a máscara de oxigênio, nesse momento. O médico poderia jurar que ele estava sorrindo.
Um fluído de energia, como um vapor luminescente, começou a emanar dos olhos do velho, num fino e indolor halo branco, brilhante; como se tivesse movimentos próprios, penetrou nos olhos do Dr. Evans.
Suas órbitas ficaram brancas, ligadas por um cordão luminoso de energia, aos olhos do velho, numa sombria transferência de uma energia ancestral, vital e maligna.
De repente, aconteceu algo estranho quando a mosca pousou na testa do velho.
O médico caiu ao lado da cama, num baque seco. Amontoado no chão, como se suas pernas tivessem perdido as forças.
O monitor de batimentos cardíacos, apitadava continuamente, marcando um traço em linha reta.
O moribundo jazia imóvel, com os olhos brancos arregalados, e um macabro sorriso no rosto, sob a máscara.
Dr. Evans levantou ainda atordoado e zonzo pela queda.
— Não pode ser! — Perdemos o paciente! – constatou espantado.
Cambaleando foi até o corredor, correndo o máximo que pode, e gritou pela enfermeira.
Enquanto a equipe fazia os exames para atestar o óbito do Sr. Vildegard Foster, a enfermeira robusta, baixou suas pálpebras com a palma da sua mão, cerrando para sempre o branco olhar fixo do morto.
— Esse olhar me dava calafrios! – ela disse.
Inquieta, observando toda a movimentação no quarto, a mosca continuava pousada na testa do velho, desde o momento que o médico havia caído no chão. Esfregava as patas e passava a sua língua nelas. Seus olhos compostos, cheios de omatídeos, viam todos os procedimentos para a liberação do corpo do falecido.
— Maldita hora, que essa mosca, pousou na minha testa! – pensou o Sr. Foster, levantando voo pelo quarto, e finalmente pousando no ombro da enfermeira.
O antigo e decrépito corpo do velho, foi coberto por um lençol branco e o levaram para fora do quarto, em direção ao necrotério.
— Um momento! – falou o médico.
Antes que a enfermeira se virasse, ele a atingiu com um rápido e certeiro tapa no ombro.
— Nada demais…– ele continuou — Apenas uma mosca inofensiva e repugnante! —Mas ela já foi expurgada!
  




Conto escrito por
Rangel Elesbão

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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