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Feriadão WebTV: Cine Virtual - Camping Selvagem para Terceira Idade

conto escrito por Jonatan Magella
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Sinopse: Virgílio e Gilson se conheceram na fila do INSS e fazem planos para acampar após a aposentadoria. Contudo, a demora e o desrespeito com os idosos brasileiros farão com que ele usem o acampamento maneiras mais perigosas.



Camping Selvagem para Terceira Idade
de Jonatan Magella


Virgílio não conseguia se aposentar. Sequer havia conseguido confirmar a entrada no benefício. Pelo telefone, nenhum robô lhe dava atenção; na agência do INSS, a superlotação, a multidão de desinformados, a paralisação dos servidores, o sistema fora do ar. Contava os dias para finalmente deixar de vender tijolo às lojas de materiais de construção e receber sua aposentadoria. A ideia era largar tudo e voltar a acampar nas praias, como fazia na juventude. Com essa ideia foi dormir na véspera de mais uma tentativa no INSS.
Quando acordou e tomou o ônibus, nem havia sol ainda. Mas já àquela hora pegou um engarrafamento que não tinha certeza se terminaria. Certeza, só de que havia sido posto pro fim da fila da manhã.
- Nós chamamos o seu nome, o senhor não respondeu, e o procedimento é este, fim da fila – disse a atendente.
Virgílio saiu da agência revoltado, foi à rua e respirou fundo algumas vezes. Em frente, havia um brechó. Pensou em perder algum tempo em meio às velharias. Depois refletiu melhor:
- De velho, já basta eu – pensou alto e riu sozinho.
O riso o renovou e o fez voltar à agência com a certeza de que não sairia dali enquanto não resolvesse sua aposentadoria.
A hora do almoço se aproximava, faltavam duas pessoas a serem atendidas, ele e mais um senhor de boné, quando de súbito tudo se apagou: os números e os computadores, as televisões que distraem e o aparelho de ar-condicionado.
- Senhores, devido à falta de energia, os atendimentos estão suspensos.
Virgílio não se segurou:
- Uma vergonha essa espera para velhos como nós.
A atendente pediu calma feito uma aeromoça a um viajante com medo – a rotina mata a compaixão.
- Oito meses esperando - ele gritou.
O segurança cruzou os braços.
- O que é que há, eu não posso controlar o trânsito, muito menos a energia elétrica - outro grito de Virgílio.
Ele ia explodir e quiçá quebrar uma vidraça, quando sentiu uma mão no ombro, olhou-a e notou que era o senhor de boné. O senhor de boné lhe aconselhou a sossegar.
- O segurança vai te pôr pra fora, se acalma.
Virgílio respondeu em tom mais discreto que era uma covardia, a gente chega cedo, é posto pro fim da fila e agora acaba a luz. O senhor de boné sorriu.
- Fica tranquilo, você é o último, eu sou o penúltimo. Vamos passar tempo lá fora, vou te mostrar umas coisas.
Saíram juntos da agência. Na calçada, o homem se apresentou como Gilson. Ambos caminharam duas quadras, até acharem uma padaria. Vazia, só tinha uma freguesa, uma velha aparentemente amargurada. Gilson tirou da mochila algumas telas pequenas e mostrou a Virgílio. Disse que era pintor.
- Você quer se aposentar para finalmente poder vender seus quadros? – perguntou Virgílio.
Gilson entortou a cabeça, como se dissesse mais ou menos.
- Quero pintar quadros, vender já não é comigo – ele disse.
Como se embriagados pelo café, combinaram de passar algum tempo pelo litoral brasileiro: Gilson pintaria quadros, Virgílio os venderia (melhor que negociar tijolos) e assim poderiam viajar como dois nômades, sobretudo com os dois salários da aposentadoria.
- Minha única lamentação é que o acampamento selvagem foi proibido – disse Gilson - Era muito melhor naquele tempo.
Virgílio fitou uma parede de azulejos marrons antigos e concordou:
- É, naquele tempo era muito melhor.
Retornaram à agência mais calmos, mas a luz não havia voltado ainda. O segurança, assim que os viu, cruzou os braços de novo. Eles se aproximaram e o brutamontes já se adiantou, com uma voz que se assemelhava a um trovão:
- Mais meia hora e tudo resolvido.
A dupla de velhos resolveu não arranjar problemas. Eles voltaram à rua e entraram no brechó em frente à agência.
Encontraram lá calças boca de sino e batas. Também discos antigos, como os primeiros dos Beatles. Havia também livros empoeirados. Mas o que Virgílio mais gostou foi de uma barraca antiga.
- Por falar em acampamento selvagem – disse Virgílio.
- E de três lugares, bem confortável – concordou Gilson.
O dono do brechó, um homem por volta dos quarenta anos (jovem na concepção dos dois velhos), comentou que ele próprio fora concebido dentro daquela barraca histórica.
- Meus pais me contavam que me fizeram numa praia da Ilha Grande, dentro dessa caverninha aqui.
- Mas está à venda? – perguntou Virgílio.
- Sim - o homem disse - só é mais cara porque tem valor simbólico – ele completou, sorrindo.
Os dois velhos riram também. Essa coisa de dormir numa barraca usada era desagradável e ao mesmo tempo desafiador, como dirigir um carro usado, um automóvel que conhece mais trajetos que você.
Mas todo clima leve foi por água abaixo. Quando voltaram à agência outra vez, encontram-na fechada.
- Senhores, tivemos um novo problema inesperado. Imprevistos. Voltem amanhã bem cedo e serão os primeiros, mas atenção: quanto mais cedo chegarem, melhor - disse o segurança, do outro lado do vidro de proteção.
Agora foi Gilson quem mudou o semblante.
- Chegar cedo? Você pensa que a gente mora onde? Hein?
Estava a ponto de atirar seus quadros e espatifar os vidros. Dessa vez foi Virgílio quem pediu calma. Vindo de onde moravam, era impossível chegar tão cedo. Disso Virgílio sabia. A vida, na cidade, gera impasses.
Houve um pequeno silêncio, cheio de imobilidade, como se o mundo parasse. De súbito, Virgílio atravessou a rua sem olhar pros lados, confiando que o universo desviaria quaisquer veículos apressados. Ele entrou no brechó. O pintor, mais calmo e também um pouco curioso, seguiu-o dizendo:
- Nem aposentou e já quer roupas e discos novos, digo, antigos?
Mas Gilson saiu do brechó com a barraca de três lugares.
A barraca onde passaram a noite na calçada, onde fizeram um cartaz de protesto, onde venderam dois quadros para transeuntes, onde cantaram um rock rural à capela, onde dormiram e sonharam com o mar.
Nem havia sol quando acordaram. O ar ainda estava fresco, antes do sol a pino escancarar os corpos suburbanos. Virgílio e Gilson finalmente foram os primeiros da fila. Entraram e esperaram as senhas número um e número dois. Felizmente naquele dia não houve quedas de luz ou greves. Foram chamados e acertaram as lacunas de suas aposentadorias, conquanto ainda teriam que aguardar quase um mês até começar a receber o benefício.
Na saída, altivos e um pouco sonolentos, voltaram à padaria. Desejavam brindar ao benefício adquirido. O estabelecimento estava vazio novamente, só havia a velhinha um pouco triste. Eles pediram dois cafés e brindaram à liberdade, já pensando no primeiro destino para acamparem. Mas, aos poucos, a atenção no ímpeto com a viagem, foi sendo desviada para a tristeza da mulher. Foi Gilson quem puxou assunto:
- A senhora também não conseguiu se aposentar?
Virgílio corroborou:
- Se precisar de ajuda, conte conosco.
A mulher tinha um ar melancólico ao falar:
- Aposentar eu consegui há alguns anos. Difícil está conseguir chegar cedo para pegar número na fila do médico. Tem gente que dorme lá, mas com setenta anos o corpo não aguenta dormir em pé e no frio.
Foi aí que Virgílio disse a ela que não precisaria dormir nem em pé, nem no frio pra conseguir o número do médico. Entre um gole e outro de café, ele confidenciou à velha que ainda havia um lugar vago na barraca histórica.
   


Conto escrito por
Jonatan Magella

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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Sinopse: O que há por trás de um coelho sem pernas, um pai caçador e um menino veterinário? Uma meticulosa análise sobre o homem e suas vidas doentias.

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