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Cine Virtual: Os Exames de Mamãe

conto escrito por Thomas P. Boettcher
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Sinopse: O que há por trás de um coelho sem pernas, um pai caçador e um menino veterinário? Uma meticulosa análise sobre o homem e suas vidas doentias.


Os Exames de Mamãe
de Thomas P. Boettcher


Quando mamãe me contou que nossa família cresceria em breve, a alegria foi comemorada com uma janta especial. Entre um pedaço e outro de pizza, puxou de dentro da bolsa um envelope. Mostrou-me as supostas imagens do bebê ainda dentro da sua barriga, mas não entendi muito daqueles borrões.
Os exames me davam calafrios. As imagens eram escuras, cheias de voltas e silhuetas indistintas, como se um vidro de tinta preta caísse sobre um papel. Eu identificava apenas algumas coisas, mas era difícil acreditar no que via. Patas? Orelhas enormes? Um rabo?
– Ponha contra a luz para enxergar direito. – minha mãe disse.
Obedeci. Toda minha estranheza tornou-se ainda mais clara. Era peludo, envolto em si mesmo, e parecia ter um dos olhos abertos. Um olhar suplicante, ingênuo e abissal. Na imagem, parecia olhar para mim.
– É um coelho. – eu disse. – Essa é a imagem de um coelho.
Minha mãe aproximou-se de mim, pegou os exames e passou a mão sobre meu cabelo.
– Você será um excelente veterinário um dia.
Eu não compreendia, mas não quis desfazer o agradável clima que havia se instaurado entre nós. Mamãe não parou de repetir as profissões da família até o dia em que foi para o hospital tirar o bebê. Ela dizia “mamãe é professora, papai é caçador, Guto será veterinário, e o bebê terá muito tempo para escolher”. Então ela olhava para mim e perguntava “o que acha que sua irmãzinha vai ser, Guto?”. Pequena, eu respondia, nada muito além disso.
Quando nasceu, tivemos certeza apenas de uma coisa: de fato, era muito pequena, mas todo o resto era um enorme mistério para nós. Sofia nasceu com um rabo de coelho acoplado em seu pequeno corpo, orelhas de coelho no alto de sua enrugada cabeça, olhos de coelho brilhantes e pelo de coelho branco e lustroso. Bem, para resumir: mamãe pariu uma coelhinha, Sofia era seu nome. O maior espanto, no entanto, não estava aí.
A coelha nasceu errada, tadinha. Não tinha as duas pernas traseiras.
– Eu disse! Eu disse que era um coelho.
Mamãe chorou muito e vi papai várias vezes indo consolar ela no quarto. Enquanto isso, eu ficava no berço, olhando Sofia. Ela tentava já sair correndo, remexia-se deitada nos travesseiros, mas não saía do lugar. Suas duas mãozinhas peludas me acariciavam o rosto e não demorou muito para que nos afeiçoássemos um ao outro. Com o passar do tempo, a falta de suas perninhas não importou muito, nem para ela e nem para nós. Para meus pais, nem mesmo o fato de se tratar de um coelho importou. Era a mais nova integrante de nossa família e ponto.
Papai nos levou em um piquenique do outro lado do milharal assim que mamãe já estava recuperada do parto. Montamos uma cesta enorme e fomos pescar no rio que atravessava nossa fazenda. Eu pesquei um peixe gigante! Tá bom, não era gigante, mas eu pesquei um peixe… Ai, eu não peguei peixe nenhum. Mas Sofia também não pegou. Ela só ficava lá parada, olhando a gente se divertir. Ela parecia sentir medo, mas eu não sabia exatamente do quê… Ou de quem. Os olhinhos brilhantes fitando com cuidado cada um de nós. Ela tremia, assustada.
– Quando o pai era pequeno, os meninos da rua e eu íamos por dentro desse milharal todo aí e caçávamos para jantar. – meu pai tinha um jeito muito particular de contar histórias. Sempre falava dele mesmo como se fosse um personagem e sempre usava frases rápidas. Não era um homem de muitas palavras. – Nem sempre tinha coisa boa no mato. Às vezes pescávamos, outras pegávamos os ratões do banhado. Eu gostava mesmo era de caçar. Caçar faz bem.
Achei estranho mamãe não ter se importado com papai falar aquelas coisas. Afinal, Sofia estava ali do lado, com seu focinho rosa balançando para todos os lados, tentando captar palavras e cheiros que deixassem o mundo mais claro para ela. Afinal, os ratões do banhado não eram, tipo, os primos de Sofia? Eu não sabia dizer, mas preocupava-me com ela. Era como se ignorassem o fato de Sofia ser um lindo coelhinho sem pernas.
Vivemos uma vida linda antes e depois de Sofia. Nossa família parecia plena e tranquila, perfeita sob as palavras de alguns vizinhos e amigos. Não tínhamos problemas além daqueles comuns a toda família, como contas e preocupações organizacionais.
Sofia virou uma coelhinha grande e pesada. Era mais complicado pegá-la no colo. Por isso, deixávamos que ela passeasse pela casa como bem quisesse, e isso dava vida a nossa fazenda. As patas dianteiras eram rápidas. Colocamos ela na escola e a coitadinha se mostrou uma condizente integrante de nossa família. Era a mais esperta da classe, mas sofria muito com as piadas que seus coleguinhas faziam sobre as suas pernas. Diziam coisas terríveis, faziam-na chorar várias vezes.
Eu ficava com muita raiva. Às vezes, imaginava-me indo até a sala dela, pegando os rapazes pelo pescoço e dando alguns socos neles. Isso mexia comigo, essa raiva. Sonhava de noite e acordava suado, chorando. Meu pai veio até mim em uma dessas noites, perguntou se estava tudo bem. Eu disse que sim, embora a maldade que fizessem com Sofia me deixasse muito mal. Era uma grande injustiça pela qual Sofia passava.
– Papai entende. – ele disse me abraçando, e eu acho que entendia mesmo. Ele tinha esse jeito de quem entende das coisas. – O pai pode ir caçar alguma coisa para você. – disse dando um sorriso. – Você sabe, o papai é um excelente caçador.
Meu pai era assim, achava que qualquer tristeza, qualquer problema, se resolvia comendo algum bicho caçado. Não deixava de ser verdade. Minha mãe adorava uma espécie muito específica de peixe que tinha no riacho ao lado da fazenda e foi alimentada por ela durante todo o período em que esteve grávida de Sofia. Ele tinha esse jeito meio bicho porque havia sido criado a infância toda no mato. Caçar para ele era quase o mesmo que ver desenhos para mim.
Quanto mais o tempo passa em uma família, mais fotos há penduradas nas paredes. Quando já não havia mais nenhuma parede da casa que não tivesse pelo menos uma foto de Sofia, mamãe voltou a trabalhar dando suas aulas de veterinária. Assim, Sofia e eu tínhamos bastante tempo para brincarmos juntos e isso nos aproximou bastante.
Nós dois estudávamos de manhã cedinho e nossos pais trabalhavam o dia inteiro fora. Assim que chegávamos, Sofia e eu já tirávamos jogos do lugar, comida da geladeira e ligávamos a televisão bem alto. Sabíamos nos divertir e nos entreter. Era como se brincadeiras fossem assunto sério e nós dois assumíssemos as peles de adultos.
Era comum que, quando possível, ficássemos juntos, Sofia e eu, mas com o tempo isso foi deixando de acontecer. O comportamento de Sofia no piquenique se acentuou. Cada vez mais, ela parava tudo o que estava fazendo para nos observar longamente, como se esperasse algo de nós. Ela foi ficando estranhamente isolacionista e misteriosa. Já não a víamos mais com tanta frequência dentro de casa. Evitava dirigir qualquer palavra a qualquer um de nós, sempre quieta, parecia sentir vergonha o tempo inteiro e raramente esbanjava algum sorriso. Eu sentia dever algo a Sofia, mas não conseguia entender o que era.
“Os meninos!”, eu pensava. “Os malditos meninos do colégio!”.
Em um final de ano, Sofia ficou doente e precisei ir para a escola sozinho. Foi triste passar as aulas inteiras imaginando que eu chegaria em casa e não teria companhia para brincar. Antes de sair, fui até o quarto de Sofia para ver como ela estava. Deitada na sua caminha, ela soltava guinchos de dor. As perninhas tentavam balançar, ela parecia querer fugir, mas não saía do lugar. Era como se ela tentasse desesperadamente voltar ao seu lugar. Mas eu não sabia onde era. Estava tristonha, abatida. Ficou triste quando tive de ir embora. Nas escadas, eu ainda ouvia seus gemidos de tristeza.
Sem Sofia a algumas salas de mim, as aulas de matemática não faziam sentido. Geografia e biologia, que eram as matérias mais úteis para nós dois, pois adorávamos passear pela fazenda classificando espécies e rochas, perdiam completamente a graça sem ela. Com quem eu criaria plantas híbridas no fundo da fazenda? Com quem eu jogaria pedras sobre a água do riacho? Foi um dos piores dias que eu passei na escola.
Peguei o ônibus de volta e deixei minha cabeça pendendo na janela todo o caminho para casa. Meus colegas me perguntavam se eu estava bem e o que havia acontecido com Sofia, mas eu evitava falar. Na verdade, não sabia. Poderia simplesmente dizer que ela estava doente e que não havia podido ir para a aula aquele dia, mas eu sentia algo estranho. Era como se sentisse um medo que não fosse propriamente meu, mas de Sofia. Minhas pernas começaram a correr, embora eu estivesse sentado, meu coração se acelerou, tremi.
Quando cheguei em casa, passei pela porta rapidamente e subi as escadas para ver como Sofia estava. Havia passado o dia pensando nela. Não quis fazer barulho para não acordá-la, caso ainda estivesse dormindo. Quando entrei no quarto dela, no entanto, encontrei meu pai, sentado na cama dela e de costas para a porta. Não usava roupa nenhuma e fazia uns barulhos estranhos. Fiquei assustado e minha respiração ficou muito alta. Ele percebeu e se virou. Sofia estava destroçada nas mãos dele, pedaços do pelo branco agora encharcados de vermelho pendiam para fora da boca imunda dele.
– Não é o que você está pensando, Guto. – ele disse. – Entenda, papai é caçador…
Eu não entendia. Sangue escorria por entre as pernas que Sofia não tinha e espalhava-se pelo chão. Chorei alto. Papai ia se aproximar de mim, já se levantava da cama de um salto, quando a porta de entrada bateu. Mamãe chegava. Ele arregalou os olhos, com medo, e disse a mesma coisa para ela quando começaram os gritos. “Você não entende, eu sou caçador”.
Mamãe, no entanto, entendia. Nunca quis me explicar, mas entendia.


Conto escrito por
Thomas P. Boettcher

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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Sinopse: Uma garotinha avisa a mãe que está com medo de ficar em seu quarto, porque o bicho papão a está atormentando. A mãe conforta a menina dizendo que bicho papão não existe, que é somente fruto da imaginação da criança. No final, o monstro revela-se real e surpreende os leitores com sua aparência.





Sinopse: Uma gravura anônima na parede e uma carta ilegível guardam chaves de mistérios inomináveis.




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