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Antologia Sempre ao Meu Lado: 1x02 - O Porco no Podium

Conto de Gisela Peçanha
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Sinopse: Um animal de estimação que não é um cachorro nem um gato, e sim, um porco muito inteligente. O amor e a amizade entre uma adolescente solitária e um leitãozinho que foi abandonado, depois que os pais viraram churrasco. A partir de um sentimento de rejeição que ambos sentem, nasce um forte laço de lealdade e parceria, transformando a vida de ambos e de todos ao redor.


O Porco no Podium
de Gisela Peçanha


          Era uma menina só: sem irmãos, e com uma vida familiar – digamos assim – disfuncional. O pai, General da reserva, severo e de conceitos cristalizados; A mãe, viciada em Bromazepan e usuária de Gardenal. Nada que se aproximasse, nem de longe, de uma família levemente feliz; mas Santa era uma adolescente meiga, religiosa, amante da natureza e dos animais, feliz: dentro de sua bolha de total infelicidade e, seu sonho, era ter um cachorro. Simples assim. Apenas um cachorro de estimação. Um companheiro para sua solitária vida. Mas o pai não gostava de latidos, a mãe não gostava de pulgas, e a empregada não gostava de pelos.

          Havia, no quintal da chácara onde a atormentada família morava, um pequeno lago com alguns patos e um chiqueiro vazio e desativado – no qual Dona Crispina (a mãe) armazenava sua adorada coleção de orquídeas, ordem do psiquiatra, atestando que, cuidar de plantas acalmaria os sintomas histéricos dela. Era suicida. Tentara se matar doze vezes, sem êxito. E Santa, tinha muita compaixão por sua alucinada mãe ... a afagava, beijava, e se colocava em seu amoroso colo, a cada tentativa de desencarne. A vida era sempre o mesmo desterro. Sempre.

           Foi quando, certo dia, Tibúrcio Maranhão (um vizinho criador de cavalos puro sangue) anunciou que se mudaria para outro sítio: Possuía um muito maior! Chegaram os caminhões de mudança (quatro), para o translado dos cavalos de raça e das mobílias. O pai de Santa observava tudo a distância, com um sentimento mesclado de inveja com indiferença (que era a sua característica genuína). Criticava o quanto de dinheiro e poder o Maranhão tinha, e sentia-se feliz com a perda desta vizinhança ameaçadora: eles eram muito mais ricos; mas, o criador de cavalos (bem mais cortês) foi despedir-se de seus vizinhos de mal com a vida. 

—‘’Tarde’’! Vim me despedir, vizinho. 

O General desejou (cinicamente) boa sorte. Santa e Dona Crispina chegaram até a varanda para fazer as honrarias da despedida sem apreço ou sinceridade, e perceberam que o vizinho carregava uma caixa. Já iam perguntar que caixa era aquela, mas o Maranhão se antecipou.

— ‘’Ói’’, vizinho...a gente fez um churrasco no domingo e matamos dois porcos. Marido e mulher. Quer dizer, a porca e o porco.

O General não gostou nada disso, danado por não ter sido convidado para o churrasco de bota-fora. ‘’ E daí, que matou o porco e a porca? E eu com isso? Ainda teve o desplante de me contar’’ – pensou.

— Sim, e daí?

— Daí que o rebento deles sobrou. Se interessar ao senhor, deixo aqui, senão, jogo ali no mato.

Abriu a caixa e, dentro, um porquinho branco quase recém-nascido.

Os olhos de Santa pularam da cara. O General, disse: joga no mato. A mãe falou: joga no mato. A empregada, lá de dentro, berrou: joga no mato! E Santa se jogou no chão, em prantos, dizendo: se jogar ele no mato, eu me jogo também! E me mato! Não era o cachorro dos seus sonhos, mas era um porco. Porco não tem pulga, porco não late, porco não tem pelo grande. Mas tem rabo, e o bate que nem cachorro. — Quero este porco! — Santa berrou. Levantou do chão, arrancou a caixa da mão do vizinho e saiu correndo.

O General apenas balbuciou: Inferno...

Dona Crispina, ponderou deixa o porco ficar por um tempo. Vai que ela se mata mesmo, pode ter puxado a mim Quando crescer, a gente torra ele.

          Logo, todas as orquídeas terapêuticas foram removidas do chiqueiro desativado. Agora, lá havia um chuveiro com água quente aonde Picolé se banhava. Foi o nome que o porco ganhou, por motivos óbvios: amava picolé e sorvete. Descobriu isso, quando, por acidente, um pote gigante sabor baunilha caiu no chão, dando início ao seu imediato vício. Ele o devorou em segundos.

          Santa colocou um colchonete na beira de sua cama e, da boa mesada, comprou shampoo, ração cara, mas o porco gostava mesmo era de sorvete. Eram caixas e mais caixas por semana e o veterinário sempre indo lá, para medir a glicose do suíno: que era boa! Mas percebia-se que ele engordava a olhos vistos. Estava mesmo gordo que nem um porco. Tinha pouco mais de um mês, era um leitão inflado, porém, Santa não lhe negava os sorvetes. Ela estava feliz, o porco estava feliz, batia o rabo o dia inteiro, roçava as bochechas gordas nas pernas dela o tempo todo, e parecia não se reconhecer como porco – pensava-se um cachorro ou até mesmo, um humano. O General o ignorava. Dona Crispina, também. A empregada, idem. O porco era muito rejeitado e, desconfiava-se, ele sabia perfeitamente disso. O que não sabia, era que a sua pança estava sendo muito admirada por todos os seus algozes, só esperando que ele crescesse e ficasse que nem uma anta.

          Então, três meses depois, Santa percebeu que os pais estavam de olho ferrenho em Picolé. Estava preocupada e cismada. Decidiu, assim, que ele faria uma severa dieta: magro, não chamaria tanta atenção nem teria serventia. O leitão, tristonho, de uma certa forma parecia perceber a situação: era o primeiro dia em que sorvete e picolé estavam cortados de sua deliciosa dieta.

          Os meses foram passando e Picolé agora era um porcão dos grandes, parecendo mais, uma anta, porém, magro e com um olhar depressivo e acabrunhado. Por conta de seu estado emocional, começou a grunhir tão alto, que incomodava bem mais do que latidos estridentes. Santa se condoía por demais com isso, mas queria protegê-lo a todo modo, era o seu ‘’cãozinho’’ amado. O preferia magro e triste, do que morto e assado; porém, ele foi se minguando a cada dia. Revoltado pela falta do sorvete e dos picolés, começou a fazer as necessidades no meio da sala, a roer as almofadas do sofá, e a destruir as sandálias de Dona Crispina.  O General deu um ultimato para Santa se desfazer do bicho. A empregada, quando ninguém estava olhando, dava vassouradas na cabeça dele, e ele respondia urinando forte no pé dela. Criou-se um clima de guerra civil. Santa, desesperada, implorava aos pais para não destratarem Picolé, mas não era ouvida. A conduta dele mudou da água para o vinho, e ele tornou-se violento e com um olhar mau. O que antes era um animal domesticável amoroso e gentil, viu-se um porco selvagem.

            Até que, num domingo de manhã, o General e a esposa decidiram que o sacrifício do estorvo seria naquele mesmo dia: gordo ou magro, ele viraria churrasco. Combinaram com a empregada, dela levar Santa até o lago para observar um pato que parecia doente. Ela cuidava dos patos também. Seria tudo muito rápido! Pegariam o porco e ele iria direto para os espetos.

A empregada puxou Santa e os pais foram em direção ao quarto da filha, com o chicote e a coleira para pegar Picolé. Quando o porco viu os dois entrarem, tremeu da cabeça ao rabo e, por mais raiva que sentia – agora que era um porco revoltado e rebelde – raciocinou que estava encurralado, e que não poderia enfrentar aqueles dois; mas, como era muito, muito corajoso, lutou o quanto pôde! Lutou, debateu-se, grunhiu, cuspiu, até que deu uma mordida forte na mão de Dona Crispina. Ela, desmaiou. E ele, saiu correndo.

Não sabia o quanto correria, pois sempre foi muito lento – pela obesidade. Mas, para sua completa surpresa, estava levinho, do tanto que tinha emagrecido! Correu tão rápido quanto corre uma galinha atrevida. Passou por vários sítios, plantações, açudes, e quem via-o correr, se espantava! Os que o conheciam, bradavam:

 — Vai, Picolé!

E ele ia. Correndo desesperadamente. Correu tanto, que saiu da área rural e atingiu a estrada. Um caminhão frigorífico que vinha no asfalto não o enxergou e, ao tentar se desviar dele, derrapou e tombou numa pequena ribanceira. O porco ficou olhando lá de cima, desolado; mas, já que agora era um atleta veloz, decidiu descer a ribanceira e ver como estava o motorista, e ele estava preso, sem conseguir abrir a porta. Picolé não pensou duas vezes. Com o focinho raivoso que adquiriu com seu novo temperamento passional e irado, pôs-se a forçar a porta do caminhão, para tentar libertar o motorista. E, tanta força fez que, por um milagre, a porta destravou e o motorista conseguiu sair. O focinho chegou a sangrar, pois o porco não desistiu! Grato e emocionado (e percebendo o quanto o porco estava magro), o homem apontou para centenas de potes de sorvete que caíram do caminhão.  — Vai comer o sorvete, porquinho! Antes que derreta!

E Picolé não titubeou. Entendeu que era o seu dia de sorte. Com voracidade, engoliu todo o sorvete caído no chão: de morango, chocolate, e um que ele nunca havia experimentado, napolitano. Se esbaldou! O motorista, com um roxo no meio testa, ria da situação e ainda buscava mais potes dentro do freezer tombado, a oferecer ao suíno salvador. Ligou pedindo socorro e a ambulância chegou. Exausto – e entalado de sorvete – Picolé se deitou. E dormiu. Profundamente. 

            Anos depois, na Fábrica de sorvetes ‘’Geladinho’’, havia uma mascote valente, forte e leal, fazendo a segurança do estabelecimento. A mascote não latia, não tinha pulgas nem pelos e amava sorvetes; mas, agora, os saboreava com muita moderação... Havia sentido o gostinho do quanto é divertido correr por todo canto, desbravar fronteiras e sentir o enorme prazer de ser um herói. E carregava diversas condecorações em seu Pet - colete a prova de balas (as de aço, claro). 

          Dona Crispina passou a frequentar um grupo de apoio para suicidas e, lá, conheceu um cortador de pulsos compulsivo, recuperado há cinco anos. Apaixonaram-se perdidamente e foram morar em Miami, dando palestras de autoajuda. O Coronel casou-se com a empregada e passou a levar vassouradas na cabeça, cada vez que chegava bêbado e ia se deitar sem tomar banho – Vai se lavar, seu porco! – Ela berrava, sonhando em jogar ele no lixo. E foi o que fez, quando o trocou por Tibúrcio Maranhão.             

          Santa decidiu honrar o nome que recebeu, se convertendo e entrando para um convento no Norte do país, após completar dezoito anos: Isso, depois de ter passado alguns meses em um reformatório para adolescentes infratores, por quase quebrar a cabeça da empregada com o pau da vassoura, destroçar as sandálias e as orquídeas da mãe, e jogar todas as fardas de gala, medalhas e condecorações do pai, em uma enorme fogueira. Sua santidade, não superou a lealdade e a feroz defesa que nutria por seu amado porco... que foi, para ela, muito mais do que o cãozinho sonhado que nunca teve! Ele foi o seu maior amigo... 

Os patos, Santa levou para o lago do convento e lá, descobriu que havia muitos cachorros abandonados pelas redondezas: repletos de pulgas, carrapatos, e com olhos e corações feridos. Ela os curou, adotando a todos. 

Então a vida seguiu doce... para ela e para Picolé. 

E jamais, jamais se esqueceram um do outro. 

Conto escrito por
Gisela Peçanha

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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