CENAS DO CAPÍTULO ANTERIOR:
O vidro se fecha e o carro parte. Ernestina acompanha-os até sumirem de vista.
– Tenho dó desse ser! – confidencia-se a empregada, inconformada.
– Pare o carro! – manda o patrão, a algumas quadras da mansão. E assim Joaquim o faz.
– Agora que está longe de seu “cão de guarda de saia”, você me contará toda a verdade, matuto. O que estava, de fato, fazendo ao lado de minha mulher?
FLOR-DE-CERA - CAPÍTULO 04

Joaquim
engole a saliva enquanto o suor lhe corre o rosto. Vendo-o perturbado pelo
retrovisor, George parece se deliciar. É como se o que importasse não fosse
apenas descobrir a verdade dos fatos, mas fazer alguém sofrer e com esse mesmo
sofrimento se saciar.
– O que me
esconde, rapaz? Por acaso está tendo algo com minha...
– Não,
senhor! Eu-eu... – interrompe-o o criado, assustado. – Eu...
– Por que
está tão nervoso? – indaga, roçando as unhas no paletó, como se não se
importasse com a conversa. – Sabe, matuto – encara-o –, esse é o seu nome, não
é?
– Joaquim!
– corrige o rapaz. – Meu nome é Joaquim.
– “O que
Deus elevou”?
– Como,
senhor? Não entendi!
– Joaquim:
o que Deus elevou! Não conhece o significado de seu nome?
Com a
cabeça, sinaliza que não.
– Hum! E
qual é a diferença entre Joaquim e matuto? Ambos estão às margens da sociedade,
mal conhecem seus direitos, vivem à custa da esmola alheia, ou eu estaria
errado, ma... digo, Joaquim? Fale!
O empregado
se mantém em silêncio.
– RESPONDA-ME!
– exige o camarista.
– Si-sim! –
balbucia o empregado, como se o coração tivesse subido à garganta.
– SIM O
QUÊ? – brame, com os olhos presos aos dele.
– O
senhor... – arfa, antes de concluir – está certo!
– Sabia que
chegaríamos a um consenso. Sei o que você sente ao ver uma mulher como
Catharine. Ela é mesmo excitante, tem um contorno facial mítico, um colo
aprazível, modos de uma princesa, e o melhor, lábios que exalam o frescor do
mel, assim como Iracema, a virgem indiazinha de José de Alencar. Você já leu
Iracema? – desvia o olhar para a paisagem bucólica da região.
– Não... –
confessa, cabisbaixo, o criado, tentando esconder uma lágrima que insistia lhe
escapar pelos cantos. – Nunca li!
– Então
leia! É uma obra maravilhosa, feita para pessoas sensíveis, de classe, que não
se limitam à imaginação de um único autor. Pessoas como Catharine... como EU,
são especiais, matuto. Temos dinheiro, compramos tudo e todos com o estalar dos
dedos. Nunca passamos fome feito a gentalha que foge do sertão e vem para essas
bandas retirar os empregos de nossa gente – corre os olhos pelo empregado e o
vê segurando o pranto, dá um sorriso com gosto e continua a espezinhá-lo. –
Aliás, FOME para nós é apenas mais um vernáculo do léxico português, daquele
que fingimos não existir.
– O... o
senhor não chegará atrasado, senhor? – alerta o criado, tentando contê-lo.
– Vocês que
fogem da miséria estão acostumados a qualquer coisa, contentam-se com pouco. Um
simples prato de arroz com salsicha lhes abre o sorriso; para nós, figuras
nobres da elite paulista, de paladar apurado, somente o que há de melhor na
gastronomia europeia nos satisfaz. Já teve o prazer de saborear um bom gigot d’agneau1 ao som de
Chopin? Claro que não! Desde quando pobre entende de comida estrangeira e
música erudita? – gargalha com sarcasmo. – Pobre é pobre. Pobre é motorista,
empregado, lavadeiro...
– Aonde
quer chegar com isso, ve-vereador?
– À
prefeitura, não se lembra? O prefeito me quer em sua sala para uma reunião com
a nobreza da região. Anda muito distraído, Joaquim! – debocha. – Talvez se
deixasse de “observar”, ou melhor, “desejar” as mulheres alheias,
principalmente as casadas e supostamente indefesas, isso não aconteceria, não é
mesmo?
As palavras
do vereador são o tiro de misericórdia no coração do motorista, que mesmo
desnorteado, procura se justificar.
– Senhor...
eu não...
– Para a
prefeitura, chofer! – manda.
As mãos de
Joaquim trepidam sobre o volante, estão visivelmente empalidecidas. A sensação
dele é a de ter sido picado por uma cascavel.
A bela Catharine Dumont...
– Algum
problema, matuto? – deleita-se com a crise de consciência despertada no
subalterno. – Parece-me transparente, sua pressão caiu? É comum nessa época do
ano em que o calor é intenso.
– Não se
preocupe, senhor! Eu... eu apenas estou com um pouco de enjoo, deve mesmo ser o
calor.
– Certamente!
– sentencia o representante do povo.
Joaquim
para o carro no estacionamento da Câmara Municipal, abre a porta para o
vereador e se despede com um ríspido “até mais tarde, senhor!”. Quando já não é
mais possível avistar o camarista, corre para trás do carro e vomita. É a
maneira que encontra para se libertar do ódio que agora lhe come por dentro.
Sentado à calçada, com a cabeça apoiada à limusine, chora. Chora muito!
– Idiota! –
confidencia-se o vereador, à distância, sem que o chofer percebesse sua
presença.
Retirando
da carteira a fotografia amarelada de uma senhora, Joaquim pergunta:
– O que foi
que eu fiz, mãe? Só queria fugir da fome e ter um futuro melhor que o de nossa
família. Mas só criei problemas! Quanta humilhação! Devia quebrar a cara
daquele verme, mas... mas sou um covarde! – beija a imagem. – Me perdoe, mãe,
pela vergonha! Sou mesmo um matuto, uma gentalha, como ele disse.
– O que há
com você, Joaquim? – acode o médico Rubens Arraia, amigo íntimo da família
Dumont, que havia chegado à prefeitura para uma reunião com o Secretário
Municipal da Saúde, ao vê-lo naquele estado. – Algum problema?
O chofer
está inconsolável.
– Venha,
rapaz, seja forte, vou ajudá-lo! Venha comigo! Cristo, o que houve para estar
assim? Parecer ter sido atropelado por um trator... Deixe-me ver a pressão!
Você está gélido como os mortos – constata o médico. – Por que chora desse
jeito?
– O que há
com meu motorista, doutor Rubens? – dissimula o vereador, aproximando-se. – O
que fizeram com você, meu bom amigo matu... Joaquim?
____________________________
1. Pernil
do cordeiro. Um dos pratos símbolos da cozinha francesa, o prato do domingo nos
almoços de família ou nos jantares íntimos entre amigos.
autor
Carlos Mota
A novela "Flor-de-Cera" é remake de "Venusa Dumont - da memória à ressurreição" de Carlos Mota
A novela "Flor-de-Cera" é remake de "Venusa Dumont - da memória à ressurreição" de Carlos Mota
elenco
Grazi Massafera como Catharine Dumont
Thiago Lacerda como George Dumont
Ricardo Pereira como Joaquim
Elisa Lucinda como Ernestina
Carlos Takeshi como Tanaka Santuku
Miwa Yanagizawa como Houba Santuku
Jesus Luz como Pietro Ferrara
Lucinha Lins como Franceline Legrand Dumont
Lima Duarte como Dilermando Dumont
Herson Capri como Doutor Rubens Arraia
Tonico Pereira como Moacir
Werner Schünemann como Paineiras Ken
Rosi Campos como Adelaide
Humberto Martins como Alberto Médici
Cauã Reymond como Ricardo
César Troncoso como Zé dos Cobres
Ilva Niño como Josefa
Selton Mello como Zelão
Matheus Nachtergaele como Meia-noite
Caio Blat como Delegado de Vila Bonita
Caio Castro como Leandro
Alexandre Borges como Doutor Jaime
Caroline Dallarosa como Carmem
Fernanda Nobre como Stela
participação especial
Stênio Garcia como Doutor Lúcio
Drica Moraes como Desirê
Marco Nanini como Chico Santinho
atores convidados
Ary Fontoura como Doutor Tobias
Alexandre Nero como Júlio Avanzo
Elizangêla como Maria
a criança
Valentina Silva como Alana
trilha sonora
Lágrimas da Mãe do Mundo - Sagrado Coração da Terra (abertura)
desenhos
Andrea Mota
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Grazi Massafera como Catharine Dumont
Thiago Lacerda como George Dumont
Ricardo Pereira como Joaquim
Elisa Lucinda como Ernestina
Carlos Takeshi como Tanaka Santuku
Miwa Yanagizawa como Houba Santuku
Jesus Luz como Pietro Ferrara
Lucinha Lins como Franceline Legrand Dumont
Lima Duarte como Dilermando Dumont
Herson Capri como Doutor Rubens Arraia
Tonico Pereira como Moacir
Werner Schünemann como Paineiras Ken
Rosi Campos como Adelaide
Humberto Martins como Alberto Médici
Cauã Reymond como Ricardo
César Troncoso como Zé dos Cobres
Ilva Niño como Josefa
Selton Mello como Zelão
Matheus Nachtergaele como Meia-noite
Caio Blat como Delegado de Vila Bonita
Caio Castro como Leandro
Alexandre Borges como Doutor Jaime
Caroline Dallarosa como Carmem
Fernanda Nobre como Stela
participação especial
Stênio Garcia como Doutor Lúcio
Drica Moraes como Desirê
Marco Nanini como Chico Santinho
atores convidados
Ary Fontoura como Doutor Tobias
Alexandre Nero como Júlio Avanzo
Elizangêla como Maria
a criança
Valentina Silva como Alana
trilha sonora
Lágrimas da Mãe do Mundo - Sagrado Coração da Terra (abertura)
desenhos
Andrea Mota
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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